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Leonardo Sakamoto

Liberdade de escolha, sim. Mas dentro das opções oferecidas

Leonardo Sakamoto

29/04/2012 13h15

Creio que alguns de vocês devem ter ouvido as campanhas contra rádio consideradas irregulares movidas por associações de empresas do setor. Umas delas até usa um pastor como personagem, explicando aos fiéis que não precisam de "rádios piratas" para rezar. Na verdade, não precisam nem de rádios e TVs comerciais para fazer uma conexão direta com o divino – mas isso é outra história.

É claro que há muita rádio pirata que só serve para encher o bolso de picareta. Mas as campanhas colocam no mesmo bolo, propositadamente, rádios comunitárias, de baixa potência, que democratizam a comunicação e são um importante instrumento de cidadania para populações que vivem à margem dos benefícios desse berço esplêndido, que nunca são retratadas devidamente pelos meios de comunicação convencionais devido às nossas prioridades, incompetências e ignorâncias. Geram pânico nos desavisados, dizendo que as rádios são capazes de derrubar aviões e interferir no trabalho da polícia – o que é ridículo. É raro interferências ocorrerem mas, quando aparecem, não fazem distinção de legais ou ilegais.

Pedem para a população ser "consciente" e não ouvir rádios comunitárias. Felizmente, falam para o vazio, pois poucos dão bola a esse chamado. Se uma rádio passa informação útil, as pessoas ouvem. Então, como maus perdedores, apelam para leis construídas de forma bizarra em tempos pré-históricos e usam a polícia para tomar transmissores e calar essas vozes. Isso sem contar o abuso de autoridade que rolam no momento do rapa policial.

Para que o povão precisa de acesso a uma rádio, não é mesmo? Ouça a nossa, ué! Liberdade de escolha, sim. Desde que dentro das escolhas que disponibilizamos a vocês, claro. Nada de ficar inventando onda! O que vocês pensam que esse país é? Democrático?

Há um forte movimento para legalizar e ampliar as emissoras comunitárias por todo o país, mas o apoio técnico, legal e financeiro a iniciativas populares nessa área é risível. Qualquer esfera de governo está mais interessada em aportar recursos em veículos privados com grande audiência ou em veículos parceiros de mídia, que defendam o seu ponto de vista. Além do mais, interessa que a concessão de rádios continue sendo garantidas e renovadas a apenas alguns sortudos, com poder político e econômico, deixando a população organizada do lado de fora.

E quando digo populares são populares mesmo, lá da base, do chão de terra, da viela da favela, da comunidade de imigrantes latino-americanos. Não estou falando de agências que se intitulam livres, alternativas ou independentes e que, apesar de conectados com movimentos sociais, são produzidos por profissionais de comunicação com mais acesso a recursos. Estes precisam de apoio também, mas os comunicadores populares são prioridade.

A briga ainda será bem longa, pois o que acabo de dizer não é consenso nem entre progressistas, quem dirá entre os conservadores. Por isso, se você conhece alguma rádio comunitária, escute, divulgue, recomende, participe. Exerça sua cidadania, disparando sua voz. A participação em muitas dessas rádios é livre e gratuita, você pode montar seu próprio programa, independente do que você pense. O espectro invisível é de todos nós.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.