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Leonardo Sakamoto

Herança maldita do amianto é tema de evento na Rio+20

Leonardo Sakamoto

16/06/2012 14h49

Já ouviram a expressão "Faltam estudos que comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente"? Ou já leram "Não há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, causem efeito à saúde"? São usadas ad nauseam na defesa do indefensável. Quem já assistiu ao filme "Obrigado por fumar", de Jaison Reitman, com Aaron Eckhart, que satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby que atuam nos Estados Unidos, sabe do que estou falando.

É engraçado ver o discurso cínico do protagonista do filme e imaginar quantos cidadãos norte-americanos caem nesse conversê na vida real. Mas isso ocorre também por aqui para justificar a expansão agropecuária, extrativista ou industrial. Perda de empregos, falta de comida, interesses estrangeiros, hecatombe maia (2012 tá aí, né?), tudo usado como desculpa para continuar passando por cima. Alguém já viu os filmes promocionais de empresas que produzem agrotóxicos? É de chorar. De emoção ou por contaminação. A escolha é sua.

Quando a Universidade Federal do Mato Grosso detectou agrotóxicos no leite materno em Lucas do Rio Verde (MT), a resposta publicada na Folha de S.Paulo na época foi: "A Associação Nacional de Defesa Vegetal, representante dos produtores de agrotóxicos, diz desconhecer detalhes da pesquisa, mas ressalta que a avaliação de estudos toxicológicos é complexa. Segundo a entidade, faltam estudos que comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente. 'Não há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, os defensivos agrícolas causem efeito à saúde'." Hehehe.

Gosto de contar uma história neste blog. Durante as brigas contra o amianto, um advogado que defendia o interesses dos trabalhadores trouxe um pedaço do produto para ser mostrado em uma audiência judicial com os que defendiam as empresas. O amianto, acusado de causar danos à saúde dos trabalhadores, circulou na mesa. Do lado corporativo, que defendia que o produto era inofensivo como uma bola de gude, ninguém quis tocá-lo.

Alguns estados brasileiros já baniram o amianto ao lado de 58 países, da pobre Burkina Faso à rica Suíça. Mas como há dinheiro em jogo, esse embate está longe de acabar.

Sabemos que, por vezes, o Brasil é uma das latrinas do mundo. Agrotóxicos e medicamentos proibidos nos Estados Unidos, na União Européia e em alguns de nossos vizinhos latinos correm soltos, contaminando água, terra e ar e causando danos à saúde. Milhares diretamente, milhões indiretamente. E quando a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos produtores alega que vetos causarão aumento de custos. Entendo o lado deles, mas aceitar algo que não está de acordo com os padrões mínimos é uma bomba-relógio que vai explodir em algum momento.

No Brasil, o lobby desses produtos é pesado. Daria um filme tão engraçado e trágico quanto o da indústria do tabaco. O problema seria encontrar financiador.

Trago abaixo trechos de matéria de Daniel Santini, parte da equipe da Repórter Brasil que está cobrindo a Rio+20. Ele esteve em evento, na Cúpula dos Povos, que reuniu trabalhadores e outros que sofreram com o amianto dentro e fora do país pra discutir que tipo de responsabilidade social é essa:

"Ivo dos Santos aponta uma árvore próxima a uns cinco ou seis passos de distância. "Eu não consigo correr até ali sem ficar sem ar". Ex-empregado da Eternit, empresa que atua no Brasil desde a década de 1940, ele hoje sofre problemas respiratórios decorrentes de sua participação direta na produção de itens com amianto entre 1952 e 1985. Banido em seis estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pernambuco), o amianto está relacionado a graves problemas de saúde por ter fibras altamente resistentes, que podem entrar no sistema respiratório e provocar traumas e até a morte, às vezes décadas depois do primeiro contato com o produto.

Ivo já conseguiu uma indenização da Eternit, mas, mesmo com fôlego limitado, não tem vontade de ficar parado sem fazer nada enquanto o amianto continuar sendo utilizado como matéria-prima no Brasil e exportado para outros países. Ele foi um dos atingidos por amianto que compareceu nesta sexta (16) ao debate "O futuro que queremos é livre de amianto", evento internacional realizado durante a Cúpula dos Povos, principal espaço de debate e proposições da sociedade civil para a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. O encontro reuniu representantes de diferentes países e resultou em troca de experiências e articulações visando às audiências públicas marcadas para 24 e 31 de agosto no Supremo Tribunal Federal sobre o assim chamado "uso controlado". A indústria tem tentado derrubar as leis de banimento estadual (leia o posicionamento oficial da Eternit sobre o tema).

A Eternit e demais empresas que exploram o amianto argumentam que, com as precauções hoje adotadas, os riscos são minimizados, e alegam que o amianto deve continuar a ser utilizado por ser uma alternativa barata para a construção civil – que permite a construção de moradias populares a baixo custo, por exemplo. O amianto é utilizado na fabricação de telhas e caixas d'água, entre outros itens, e seus críticos alertam que, além dos riscos na extração nas minas e nas unidades industriais, o produto também traz riscos para os consumidores. Quando uma peça produzida por amianto se rompe, as fibras ficam no ar, podendo ser aspiradas. Em seu site, a empresa, principal do setor no Brasil, afirma vender amianto para mais de 20 países, incluindo Colômbia, Emirados Árabes, Índia, Indonésia, México e Tailândia.

"A discussão que fazemos é sobre o direito da saúde dos trabalhadores e das pessoas que moram no Brasil. Que tipo de desenvolvimento queremos?", questionou, durante o evento, Mauro de Azevedo Menezes, advogado da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto. A auditora fiscal e engenheira civil Fernanda Giannasi, uma das principais especialistas no tema no país, destaca a urgência necessária para o banimento do produto. "Os problemas de saúde vão começar a se manifestar em décadas e teremos uma curva ascendente. É um passivo que custará caro para o país".

"A discussão tem tudo a ver com este momento. Qual a real responsabilidade das empresas? Faz sentido continuar utilizando produtos que poluem e fazem mal para pessoas? Qual o preço deste desenvolvimento?", questiona a britânica Laurie Kazan-Allen, do Secretariado Internacional pelo Banimento do Amianto. Ela é uma das articuladoras da mobilização internacional contra amiantos e organizadora e autora do livro "Eternit e o Grande Julgamento sobre Amianto" ("Eternit and the Great Asbestos Trial"), documento que reúne o histórico das disputas jurídicas internacionais e que deve ser traduzido para o português em breve."

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.