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Leonardo Sakamoto

A angústia de saber que Agnaldo Timóteo não está sozinho

Leonardo Sakamoto

17/08/2012 12h52

O vereador Agnaldo Timóteo (PR-SP) defendeu o coronel e açougueiro Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo como torturador durante a ditadura. Em discuro na Câmara paulistana, nesta quinta (16), ele afirmou que o país só é o que é por causa dos militares.

O que as pessoas que sofrem torturas em delegacias, que são executadas sumariamente em ações policiais e que são violentadas por agentes públicos em conflitos fundiários concordam plenamente.

Então, com sua peculiar educação afirmou que "deveríamos colocar a bunda para a lua e agradecer" aos militares. Fino.

De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, durante uma reunião da Comissão da Verdade do município, ele criticou o trabalho de busca de ossadas em valas clandestinas de cemitérios: "é insuportável a maneira parcial com que todos que vão lá e falam do regime". Chamou de "frescura" a posição de quem não concordava com ele. "Se acharam 1.000 corpos lá [no cemitério de Perus], e descobriram que um era vítima do regime, deveriam perguntar: era inocente ou um terrorista disposto a matar? Então, tem que estar disposto a morrer", completou.

Em abril deste ano, ele já havia exaltado a ditadura e defendido os militares que mandaram "meter porrada" em opositores. "É uma lástima que os meios de comunicação não se disponham a contar as coisas maravilhosas que foram realizadas neste país pelo regime militar."

Nunca vou esquecer a patética intervenção do nobre vereador paulistano a favor da exploração sexual juvenil há cinco anos. Em um discurso na Câmara, ele disse que o visitante que vem ao país atrás de sexo não pode ser considerado criminoso. "Ninguém nega a beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16 anos botam silicone, ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o cara, se encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A moça tem consciência do que faz", declarou. "O cara (turista) não sabe por que ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto." Para Timóteo, há "demagogia" e, novamente a palavra que ele gosta de usar, "frescura".

Seguindo a linha de raciocínio, poderíamos legalizar uma série de situações em que há um descompasso entre a lei e a realidade. Deixaríamos de ter, em um passe de mágica, a prostituição infanto-juvenil, o trabalho escravo, o tráfico de seres humanos, fora preconceitos de raça, credo e classe, a violência policial, a tortura, o assassinato de opositores pelas mãos do Estado, o desaparecimento de corpos de inimigos políticos.

Timóteo é uma figura ímpar. Alguns amigos jornalistas dizem que ele não reflete sobre o que fala, é um conservador caricato apenas. Não dispendo a ele a complacência que se dá aos políticos patéticos porque ele não é bobo. Timóteo simboliza aqueles que não vêem o Estado como espaço de efetivação da cidadania, mas sim de batalha. Em que o mais forte, esperto ou rápido, vence.

É diferente do deputado federal Jair Bolsonaro, que defende a ditadura e ataca direitos gays, mas que construiu uma carreira política em cima disso. Timóteo se beneficia de sua imagem como cantor e que leva parte da população a votar nele. Tem o dom da palavra, consegue falar com um público amplo e coloca soluções fáceis na mesa que são consumidas com facilidade.

Mas ele não é causa e sim consequência. Verbaliza a visão de uma parte da sociedade que, mal informada e com medo de si mesma, reproduz processos que mantém a opressão, a dor e o preconceito. O que me angustia é que ele não está sozinho. Parte de São Paulo está com ele.

Exagero? Bem, em 7 de outubro, vemos se tenho razão.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.