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Leonardo Sakamoto

Smartphone: uma forma moderna de te manter no cabresto

Leonardo Sakamoto

20/08/2012 13h58

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que havia reconhecido o direito ao recebimento de horas de sobreaviso a um chefe de almoxarifado que ficava à disposição de uma empresa da Soluções Usiminas pelo celular. De acordo com nota divulgada pelo TST, embora decisões anteriores do TST (como a súmula 428) estabeleçam que só o uso do celular não caracteriza sobreaviso, os ministros concluíram que empregado permanecia à disposição da empresa, que o acionava a qualquer momento, limitando sua liberdade de locomoção.

De acordo com o TST, o empregado afirmou que era obrigado a atender o celular todos os dias da semana, inclusive sábados, domingos e feriados, de dia ou de noite. Ele pedia cinco horas extras diárias de sobreaviso, incluindo os fins de semana. A empresa defendeu-se afirmando que o sobreaviso "apenas existe quando o empregado está impedido de se locomover de sua residência", o que não seria o caso. A 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre concordou com o trabalhador, decisão mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. O processo corre com o número RR-38100-61.2009.5.04.0005 no TST.

Sem trocadilho, sou escravo do meu smartphone, por isso sei muito bem os males que ele faz à minha saúde física e social da mesma forma que reconheço as coisas boas. Mas o uso desses aparelhinhos, além dos computadores portáteis e dos tablets, pode aumentar o tempo trabalhado, que não é – necessariamente – acompanhado por um crescimento na remuneração. Há quem defenda isso, dizendo que a desterritorialização do local de trabalho pode melhorar o bem-estar das pessoas. O problema é que nem todo mundo tem cargo de confiança ou é workaholic o bastante para querer estar sempre disponível.

Em dezembro passado,  foi aprovada a lei 12.511, de 15 de dezembro de 2011, que abre a possibilidade para o trabalhador reivindicar que telefonemas, mensagens de pagers e correio eletrônico recebidos fora do horário de trabalho sejam motivos de pagamento de hora extra. Ela altera o artigo 6º da CLT, que antes dizia: "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego". Passou a dizer: "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único – Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio". 

Isso não encerrou a discussão sobre o assunto. Não porque a interpretação da lei ou da decisão do TST (que vai ter que rever sua própria súmula anterior) já esteja sendo questionada por empregadores. Mas porque a tecnologia está mudando a natureza do nosso trabalho – e, consequentemente, as formas de exploração. Há empresas que, para evitar serem processadas, estão desligando os serviços de e-mail ou os celulares de seus empregados após o expediente, religando-os antes do início da nova jornada de trabalho quando não há sobreaviso previsto – como em médicos, por exemplo. Isso funciona? Tem que se analisar caso a caso.

De qualquer forma, desejo que você não caia na conserva fiada de comerciais de TV que mostram pais e mães sorridentes porque agora podem trabalhar de casa devido à tecnologia, como se aquilo não gerasse – muitas vezes – tempo de serviço não computado e não remunerado. Como se o saudável e necessário momento do descanso físico e intelectual se fizesse obsoleto, de repente, com o advento do e-mail e do wi-fi. Todos estão conectados o tempo todo e, com isso, podem ser acionados a qualquer momento. E produzir a qualquer instante. Sem, necessariamente, com mais felicidade.

Sou do tipo que está online quase o tempo todo e detesto quando alguém me diz "desconecta" ou "sai da internet". Não entendem que não dá! Eu estou aqui e estou lá também, sou o mesmo, mas tenho relações digitais e reais, que se intercruzam e se sobrepõem. Por isso, não estou dizendo para todos desligarem seus aparelhos como protesto. E sim, para se desligarem do trabalho, mesmo que o trabalho não queira se desligar de você.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado, seria maior: mais tempo para família, lazer e descanso, mais tempo para formação pessoal. A proposta de emenda constitucional que propõe essa mudança também aumenta de 50% para 75% o valor a ser acrescido na remuneração das horas extras.

Ou seja, tem que trabalhar mais? Que se pague bem por isso. Seja em casa ou no escritório.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.