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Leonardo Sakamoto

O ataque das latinhas de cerveja e o menino no teto solar

Leonardo Sakamoto

28/12/2012 09h59

Fuinhas que defenestram latinhas de cerveja de carros em movimento me deixam possuído pelo capeta. Sim, sou do tipo mala sem alça que para ao lado do meliante a fim de ter um papo reto sobre o ocorrido, seja ele o feliz proprietário de um Fusca ou de uma BMW. O constrangimento, feito com educação, pode ser uma arma poderosa. Alguém vai protestar que isso é mais um passo da minha cruzada pessoal contra o incompreendido homem branco rico paulistano, mas o fato é que o motorista do Fusca não me xingou. O da BMW sim, com palavras de sabedoria. "Anda a pé, otário!", disse ele, me banhando de alcoólicos perdigotos.

Quando era (mais) moloque, revoltei-me contra um Civic que brotou uma latinha de cerveja vazia na faixa de pedestres da avenida Henrique Schaumann com a rua Teodoro Sampaio. Eu sei que isso não é legal, mas foi mais forte que eu: joguei de volta para dentro do carrão. É claro que não fiquei para discutir a importância do respeito à cidadania nas grandes metrópoles a fim de garantir uma vida de qualidade a todos. Acho que o recado já estava dado e, além do mais, tenho amor à vida. Mas que bom seria se, como o mar, a cidade devolvesse tudo aquilo que o povo, motorizado ou não, joga fora de lugar.

E falando em babaquices motorizadas, outra coisa que me deixa possesso é ver alguém com o corpo para fora de um carro em movimento. Talvez porque já tenha feito uma idiotice parecida, com meus amigos, lá na transição para a maioridade, o que quase me custou a vida. Talvez porque isso seja só idiota mesmo, uma necessidade louca de aparecer e uma incapacidade crônica de pensar o impacto de nossas ações inconsequentes para as pessoas à nossa volta.

Presenciei a cena dantesca, abaixo, na avenida Sumaré:

O filho, empolgadíssimo, com metade do corpo para fora do teto solar, provavelmente apoiado pelo adulto (ir)responsável desceu a avenida sem ser incomodado. Um carro de polícia passou ao lado, olhou e nada fez. Se estivesse sem a cadeirinha obrigatória, teria levado uma multa. Mas como era só um garoto desafiando a Lei de Murphy, achando que era Leonardo Di Caprio, em Titanic, tudo bem.

O pobre motorista do carro em questão, como se vê, não deve ter dinheiro para levar o filho a um parque de diversão. Proponho, portanto, a campanha "Criança (no Teto Solar) Esperança". Se ele entrar em contato com este blog e aceitar contar sua triste história, prometo dar dois ingressos para o Hopi Hari.

Tanto no caso da latinha, como no do garoto-voador, não me sai da cabeça o fato de que há gente que se sente invencível e dona do mundo quando entra nos seus carros (para quem se lembra, é a dicotomia Mr. Walker e Mr. Driver daquele antológico desenho animado que tem o Pateta como protagonista). Um lugar mágico onde todas as frustrações desaparecem e onde tudo é lindo e possível.

De um lado, campanhas e escolas tentam mostrar que as coisas não são bem assim. Do outro, propagandas reforçam a mensagem para vender mais carro, restando a nós uma vida de cada um por si e o sobrenatural por todos.

Ou como diria a Jeep, em sua bizarra campanha publicitária: "A cidade é uma selva. Seja um predador".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.