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Leonardo Sakamoto

Depois de muito tempo, este blog desce do pedestal e responde a um leitor

Leonardo Sakamoto

13/04/2013 12h34

Detesto fazer o que chamo de "metapost", com um texto que se refere ao próprio blog. Mesmo para um cara arrogante e vaidoso, soa meio pedante, sabe? Contudo, quando isso pode ser usado para uma boa causa, acho que vale a pena chafurdar um pouco no quintal de casa.

A graça deste blog – se é que tem alguma – está em ele possuir duas partes complementares. Primeiro, os posts em si, sejam eles análises, notícias ou reportagens. Considero esse lado so boring, darling – como diria o patético Gerald Thomas. E há outro, esse mais vivo, dinâmico e divertido, formado pelo debate a partir dos pontos levantados pelo post por leitores que se levam a sério demais e outros que sabem rir de si mesmos. Em outras palavras, os comentaristas são a alma deste blog.

Por isso, amo vocês (nhom…) Mas, infelizmente, não tenho como responder aos leitores. No que pese a fundamental ajuda do UOL com o sistema de aprovação dos comentários, crio essa criança sozinho. Então, a menos que o dia passe a ter 36 horas, não tem jeito mesmo. Desculpe.

Nos últimos tempos, é fato, tenho recebido cada vez mais comentários revoltados contra a minha pessoa por conta de textos que remaram contra o senso comum e bateram de frente em alguns preconceitos entronizados ou questionaram saídas fáceis e zonas de conforto. Por isso, resolvi analisar um deles, que chegou neste sábado (13) e, portanto, está fresquinho.

Dividi em partes:

"vc não tem vergonha de ser quem vc é? vc é um cancer"

Para ser honesto, tenho. Sou péssimo goleiro, canto mal para diabo, um chefe chato pacas, as plantas aqui em casa não duram nada e não consigo voltar ao meu peso de dez anos atrás – nem com reza brava. Sem contar que sou um saudoso torcedor do time da rua Turiassu. Particularmente, não gosto de paralelos com essa doença – não é legal brincar com isso. Mas se você quis dizer que vou lentamente crescendo e deixando raízes, agradeço o elogio. Contudo, se me permite, sugiro outra metáfora: Quero ser a mosca que pousou na sua sopa.

"Pessoas como vc deveriam ser vítimas do que vcs pregam. Muito cômodo falar suas baboseiras que o pessoal que tem preguiça de pensar concorda (quase sem opção)."

A-do-ra-ri-a ser vítima do que defendo! Imagine que bom seria viver em uma sociedade que garantisse a efetividade dos direitos humanos? Lembrando que isso inclui o direito de ir à igreja e professar uma fé envolvendo quaisquer deuses, de se organizar em um partido ou uma associação, de votar e ser votado, de não ser molestado por ter uma cor de pele ou orientação sexual diferentes, de poder ir livremente de casa para o trabalho sem o risco de ser abordado e preso sem justificativa, de ter igual direito, sendo homem ou mulher, de ter uma opinião diferente e não ser incomodado por isso (desde que essa opinião não machuque os demais), de ser dona do seu próprio corpo, de ter um emprego decente, de não ser torturado gratuitamente, de ter acesso a um julgamento justo e não ser condenado sumariamente, de ter garantida uma infância e uma juventude dignas, de não levar uma mão boba de um diretor de teatro sob a justificativa de que queria causar um desconforto na sociedade…

É fácil escrever o que o senso comum deglute com facilidade e que está guardado em nossos instintos mais animais. Difícil mesmo é redigir algo com a certeza absoluta de que apenas uma minoria vai ler o texto até o final, embutindo uma provocação que gere uma reflexão ao final. Em um assunto polêmico, boa parte das pessoas passa o olho de forma transversal, capta algumas palavras como "direitos humanos"/ "traficantes"/ "Estado" / "maioridade penal" / "aborto" / "evangélico" / "casamento gay" / "Palmeiras, oito vezes campeão brasileiro!" e sem nenhuma intenção de expor idéias ou debater, pinça um capítulo de sua Cartilha Pessoal de Asneiras e posta como comentário. É a vitória da limitada experiência individual sobre a necessidade coletiva, da emoção do momento sobre a racionalização necessária para que não nos devoremos a cada instante.

"Incentive a reflexão, se vc for homem."

Essa eu juro que não entendi. Mulheres não refletem também?

"E pare de se esconder atrás desse "formador de opinião" tão fajuto quanto a nossa realidade. Se fosse jornalista, passaria informação. Não alienaria quem já é alienado por natureza. Pense na responsabilidade de passar informação para quase 50k pessoas."

Acho que você não conhece muito bem o ofício do jornalista… O que é "passar informação"? O que é alienar?

Vamos lá: primeiro, não existe observador independente e imparcial. Você vai influenciar uma realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido, consciente ou inconscientemente. Se for honesto, deixará isso claro ao leitor. Sei que há colegas de profissão que discordam, que dizem que é necessário buscar uma pretensa imparcialidade. É necessário ouvir todos os lados para entender o assunto, mas a sua tradução já sofrerá influência de quem você é e onde você está – socialmente, profissionalmente, politicamente, culturalmente. Zerar essa influência só seria possível se nos despíssemos de toda a humanidade. Há quem tente ferozmente e ache bonito.

Tomar partido se reflete na escolha da pauta que você vai fazer, sob a ótica de quem. Concordo com Robert Fisk, o lendário correspondente para o Oriente Médio do jornal inglês Independent, que diz que em situações de confronto, de limite, deve-se tomar opção pelos mais fracos. Ou, mais especificamente, dos empobrecidos e marginalizados, no que se refere à realidade política, econômica, social, cultural e ambiental. Tomar partido não significa distorcer os fatos, pelo contrário, é trazer o que historicamente é jogado para baixo do tapete, agindo conscientemente no sentido de contrabalançar, junto à opinião pública, o peso dos lados envolvidos na questão. Distorcer é má fé, preguiça ou incompetência – coisa que muito jornalista que se diz imparcial faz aos montes, aplaudido por quem manda. Aqui ou lá fora.

Tem muito jornalista à venda. Mas sabe o que assusta muitos leitores (principalmente os comentaristas de blog na internet)? É que existam aqueles que não estão. Neste mundo que cisma em ser pós-moderno é difícil explicar que ainda há alguns nortes que valem a pena ser seguidos. Não grandes discursos de Verdade, pois isso não existe (mais). Mas noções éticas básicas que, construídas e compartilhadas, melhoram a nossa existência. Como já disse aqui antes, para quem acredita que a vida não é um grande "cada um por si e Deus por todos", isso é extremamente desesperador.

Enfim, meu bom rapaz, toda a informação é grávida. E informação, ela mesma, é canal de alienação, sim.

"Eu vou te infernizar. Será minha contribuição."

Eu acho ótimo! Pegue uma senha e vá em frente. Eu acho o inferno um lugar mais interessante que o céu. É quentinho 😉

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.