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Leonardo Sakamoto

Álcool não é droga. Afinal, droga é aquilo que o outro usa

Leonardo Sakamoto

15/05/2013 12h44

Um lobby de deputados federais está pressionando por mudanças no projeto de lei 7663, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), considerado por muitos especialistas em psicoativos como um tremendo retrocesso na política sobre drogas por punir ainda mais o consumidor e gerar um clima de medo. Mas não é um lobby para vetar o projeto ou torná-lo mais coerente com uma sociedade que respeite as liberdades individuais de seus cidadãos, mas sim para excluir dele a proposta de inserir nos rótulos de bebidas a informação de que o consumo excessivo de álcool pode causar danos à saúde, como ocorre hoje com o tabaco industrializado.

Sobre isso, conversei com o antropólogo Mauricio Fiore, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), autor de diversos trabalhos sobre uso de substâncias psicoativas e um dos maiores especialistas brasileiros no tema.

O que está mais associado a danos sociais e familiares: o álcool ou a maconha?
Sob diversos pontos de vista, o consumo de álcool.

O que está mais associado a danos ao organismo: o álcool ou a maconha?
Essa é uma questão mais complexa, com decisivas variações individuais. Mas, de forma geral, o álcool está associado a um número maior de doenças e, além disso, a danos causados indiretamente, como atos violentos e acidentes de carro.

O que está mais associado a danos às contas públicas por conta de gastos com atendimento médico: o álcool ou a maconha?
Álcool, sem dúvida.

Por que, então, há um lobby de parlamentares em curso para retirar a obrigação de incluir nos rótulos de bebidas alcoólicas advertências sobre os problemas à saúde causados por elas?
Com certeza, isso passa pelo lobby da indústria do álcool e seus ganhadores indiretos, como o mercado publicitário. Dessa forma, nos afastamos da possibilidade de pensar uma legislação e políticas públicas que abarquem, a partir de diversas evidências, todas as drogas psicoativas. Continuamos tratando o álcool como se não fosse uma delas. Afinal, droga é aquilo que o outro usa.

O Brasil caminha na contramão do mundo com o projeto de lei que aumenta a punição a usuários de psicoativos?
Sem dúvida. No Congresso Internacional sobre Drogas, que aconteceu em Brasília no início de maio, os convidados internacionais, entre eles o ex-presidente colombiano Cesar Gaviria, ressaltaram como o Brasil, caso aprovado o Projeto de Lei 7663, estará na vanguarda do retrocesso em política de drogas. Os dois principais pontos do PL, o aumento de penas para os crimes relacionados às drogas ilícitas e a facilitação da internação contra a vontade, vão na contramão de tudo que os países mais democráticos têm feito. Além disso, drena recursos da saúde pública para privilegiar a internação – o modo mais radical de tratamento – em comunidades terapêuticas privadas, cuja qualidade, a eficácia e, principalmente, a laicidade, são muito questionáveis.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.