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Leonardo Sakamoto

E se a participação política fosse tão viciante quanto jogar Candy Crush?

Leonardo Sakamoto

03/08/2013 17h45

O prefeito de São Paulo Fernando Haddad anunciou a criação de conselhos nas 32 subprefeituras da capital paulista. Com o objetivo de ajudar no planejamento e monitoramento das ações públicas, eles serão compostos por 1.125 representantes eleitos de forma direta entre os moradores de cada distrito e terão entre 19 e 51 membros cada.

Conselhos são um espaço em que governo e a sociedade discutem políticas públicas e sua implantação, e estão presentes desde o âmbito local – na escola, no posto de saúde – até o federal, onde reúnem representantes de entidades empresariais, organizações da sociedade e governo. Alguns são obrigatórios, exigidos por leis federais, mas cada município pode criar os que julgar necessários.

É claro que, para esses conselhos das subprefeituras serem efetivos, eles precisam contar com poder deliberativo e não serem apenas arenas de discussão e aconselhamento. E isso gera conflito entre novas instâncias de representação e as convencionais.

Afinal, vereadores e membros da administração municipal, um grupo de poder estabelecido, podem não gostar da ideia de perder influência para outro, outsider.

O ideal seria que os subprefeitos também fossem eleitos pelo voto direto, como ocorre em outras grandes cidades do mundo. Em São Paulo, cada distrito tem, em média, 300 mil pessoas, o que faz deles cidades de médio porte. Mas vale lembrar que, historicamente, a indicação por vereadores de subprefeitos (no passado, de administradores regionais) tem funcionado como moeda de troca, usada para garantir apoio político à prefeitura. Há gente que teme ficar sem o instrumento clientelista de poder asfaltar uma determinada rua e não outra, empregar conhecidos e correligionários, se deixar escapar subprefeituras sob seu controle.

Durante décadas, brigamos para a implantação de instâncias como os conselhos. E, agora, que eles começam a ser implantados em determinados espaços, a proposta corre o risco de nascer velha – ou, ao menos, insuficiente. Pois, mesmo que aproximem as pessoas da gestão de suas comunidades, os conselhos ainda são espaços de representatividade e não de participação direta.

Com o desenvolvimento de plataformas de construção e reconstrução da realidade na internet, as possibilidades de interação popular deram um salto.

Se tomarmos, por exemplo, as experiências de "democracia líquida" envolvendo os Partidos Piratas na Europa – com seus sistemas que utilizam representantes eleitos pelo voto direto, mas também ferramentas possibilitando ao eleitor desse representante  ajudá-lo a construir propostas e posicionamentos de votação a partir do sofá de sua sala – percebemos que há um longo caminho a percorrer. Podemos chegar a um momento em que a representação política convencional se esvazie de sentido, quem sabe…

Muitos desses jovens que foram às ruas reivindicando participar ativamente da política não estavam pedindo a mudança do sistema proporcional para o distrital puro ou misto. Queriam mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Mas não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós, responsáveis pela Carta Magna de 1988, imaginaram. Porque, naquela época, ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos outra camada de relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos. Pois, quando a pessoa está atuando através de uma rede social, não reporta simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive.

Por isso, a molecada acha estranho quando alguém reclama com um "sai já da internet". Como assim? – pensam eles. É como falar: "saiam já deste planeta". Não dá, não é outra vida, é a mesma. Ele ou ela está lá, mas está aqui. Ao mesmo tempo. Os pais piram, mas é simples assim.

Então, para essa geração não é estranho que as plataformas digitais sejam usadas na discussão política, no debate de alternativas e, por que não, no processo de construção política e mesmo de eleição. Estranho é não usar essas ferramentas. Por que eu preciso ir até uma reunião com meu representante distrital, meu vereador, deputado, senador, se há maneiras mais fáceis, rápidas e interessantes que podem ser usadas na internet para isso? Por que fazer política tem que ser chato?

Não estou falando apenas das redes sociais convencionais. Mas há muita tecnologia  interessante sendo desenvolvida para esse fim que a maioria de nós desconhece (com exceção de quem está por dentro da cultura hacker, é claro) por falta de discussões sérias sobre o assunto.

Sei que não é possível adotar e universalizar processos digitais de participação direta imediatamente. Isso demanda algumas ações prévias. Por exemplo, reduzir o analfabetismo digital no Brasil, concentrado não na faixa de renda mais baixa, mas na faixa etária mais alta. Isso sem contar a ampliação da qualidade da educação formal e, mais importante que isso, da conscientização de que cada um é o protagonista de sua própria história.

Ou seja, iremos além de plebiscitos, referendos, projetos de iniciativas populares, conselhos com representantes por tema ou distrito. Com a próxima geração, a política será radicalmente transformada pela mudança tecnológica. Participar do rumo das coisas a cada quatro anos não é mais suficiente.

Imagino o dia em que a discussão e construção de projetos e a fiscalização dos atos públicos serão tão banais e cotidianos quanto ler um e-mail ou jogar Candy Crush.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.