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Leonardo Sakamoto

Por que chamar alguém de gay ou lésbica ainda é uma ofensa?

Leonardo Sakamoto

30/08/2013 12h59

Um garoto de 11 anos foi chamado de "Félix" (o personagem homossexual e de caráter duvidoso da novela "Amor à Vida"), pela professora e colegas de sala, em uma escola estadual em Piracicaba (SP). A partir daí, passou a ser hostilizado pelas crianças e, deprimido, foi transferido para outra escola. Sua mãe entrou com uma ação judicial pedindo 200 salários mínimos e tratamento psicológico para o filho.

É claro que a professora não poderia nunca ter dito algo que magoaria um garoto de 11 anos, dando combustível para que seus colegas de classe praticassem bulling estúpido e selvagem contra ele.

Contudo, para além do combate ao bulling, há um segundo debate sobre o caso. Imputar uma comparação a alguém conhecido por ser ruim (por mais que o personagem seja mais complexo do que isso), é negativo em qualquer sentido. Mas e se o personagem fosse bonzinho, mas ainda assim, gay? Duvido muito que a criança também não ficasse chateada e não fosse alvo de chacota.

Daí a pergunta: por que chamar alguém de gay ou lésbica ainda é uma ofensa?

Sabemos que essas palavras, em uma sociedade heteronormativa e machista, são carregadas de significados negativos. O que não é aleatório, mas sim uma forma de separar o certo e o errado, o quem manda e quem obedece, ditados pelo grupo hegemônico. Mas imagine se isso não acontecesse, se a orientação sexual ou identidade de gênero de uma pessoa não fizesse diferença alguma porque, na prática, não faz mesmo.

Se assim fosse, caso alguém dissesse que o aluno parece um personagem que por um acaso é gay, ninguém se abalaria pela orientação sexual, mas procuraria características do personagem para entender o que o interlocutor quis dizer (Ele é rico? Forte? Cria pugs? É do mal? Engraçado? Um ladrão? Come caca do nariz?) Hoje, se alguém comparar um rapaz ao Toni Ramos, as pessoas pensarão o quê? Ah, ele é hétero como ele? Ou: ah, ele é peludão que nem ele?

As escolas e a mídia têm um papel importante nesse processo. Ou seja, pelo que dizemos e o que deixamos de dizer. Já passou do momento de sairmos de nossa zona de conforto e educarmos nossos filhos para viverem sem medo. E não para serem inimigos de quem não usa o pênis para dominar o mundo.

Gostaria muito de estar vivo para chegar ao dia em que tudo isso seja tão normal que passe batido. Talvez, nesse mundo futuro, ninguém se sinta ofendido ou ofenda por algo que deveria suscitar o mesmo debate que o tom do branco do olho.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.