Ok, confesso. Eu acredito na Mega-Sena, padroeira das causas impossíveis
Um leitor escreveu longo e-mail me acusando de ser uma pessoa sem fé.
E, segundo ele, uma pessoa sem fé é incapaz de entender a natureza humana.
E que, portanto, uma pessoa sem fé está fadada ao abismo da solidão.
E que não consegue entender como alguém fala de questões sociais e despreza a fé.
Errou feio. Errou rude.
Se não tivesse fé, não jogaria, religiosamente, na Mega-Sena.
E não faria planos para o dinheiro, incluindo uma distribuição básica para remendar a parentaiada toda.
E não faria uma longa lista mental de mimos para alegrar os amigos, desprezando os fariseus.
E não pensaria em como seria possível lançar um jornal, ajudar a reforma agrária, criar uma faculdade gratuita, financiar alguns movimentos sociais, apoiar o Palmeiras e quitar (parte) das dívidas que tenho hoje com o montante do prêmio.
E não correria para a internet a fim de checar as dezenas como se tivesse chance real, ficando irritado com o site da Caixa que trava na hora errada.
E não ficaria decepcionado quando constatasse que acertei apenas um maldito número. Logo aquele que marquei por engano.
E, depois de alguns dias prometendo que nunca mais jogaria novamente – feito aquelas promessas que a gente faz, abraçado ao vaso sanitário em solitárias madrugadas, de nunca mais misturar vodka Birloff e cerveja morna – não entraria numa lotérica minutos antes do horário limite para apostas no sábado e faria um joguinho despretensioso, levando junto uma raspadinha.
É mais provável ser assediado por um meteorito do que ganhar na Mega, eu sei.
Mas isso não me levará ao abismo. Nem à bancarrota. No máximo, vou ter que cortar a sidra do ano novo.
Talvez a escolha de seis dezenas seja um necessário escape para a racionalidade maluca do nosso dia a dia. Uma forma de dar vazão aos sonhos que a gente faz caber na vida possível do cotidiano. Ou da conta bancária. E não estou falando em dinheiro para poder ter, mas ter recursos a fim de poder fazer.
Mas, até aí, caro leitor do e-mail longo, o dízimo também não te deixa mais rico. E enquanto tenho uma chance em 50 milhões de ganhar, não há estimativa plausível para a vida após a morte.
Não, não me entenda mal. Não estou dizendo que minha fé é mais legal que a sua.
Apenas deixando claro que você não é o único que não entende alguém por aqui.
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