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Leonardo Sakamoto

Rugas são lindas, pois contam histórias e nos lembram do tempo

Leonardo Sakamoto

20/10/2013 14h35

Nesse mundo, não há espaço para as rugas.

Os aparelhos de alta resolução e a transmissão digital tornaram possível perceber como muitos colegas jornalistas na TV escondem suas rugas e usam quilos de cosméticos, perdendo parte de suas expressões faciais para parecerem mais jovens. Ou em consonância com o padrão estético também adotado pelos fabricantes de bonecos de plástico. Contam os maquiadores que há os que ficam possessos se algo passa. Às vezes, parecer mais velho pode ser a justificativa que falta para subir a plaquinha, ordenando a substituição por alguém mais novo e com ar fresco.

Um deles me confessou que chegou a questionar isso com a chefia, mas ganhou ombros de volta. "O cara em casa não quer ligar a TV para ver uma pessoa acabada", escutou na correria.

Nada contra um pozinho para não brilhar de suor. O problema, na sua opinião, são algumas transformações radicais. Ele se pergunta: parecer jovem dá mais credibilidade? Não deveria ser ao contrário?

Não é ter prazer em cultivar olheiras, porque elas podem ser sinal de uma vida que precisa ser melhor pensada. Mas incomoda ver todo esse esforço para esconder as imperfeições e incorreções que, de certa formam nos fazem reais. Muito já se escreveu sobre isso, mas os pés-de-galinha na franja dos olhos mostram que somos pessoas de verdade. E, particularmente, prefiro confiar nas pessoas de verdade para me contarem novidades.

Mostrar as marcas do tempo em público pode ser algo pavoroso, visto como desleixo, para muita gente. Mas, sinceramente, alguém que, supostamente, seja esteticamente agradável não deveria passar mais tranquilidade.

Apesar de influenciarem muita gente com sua imagem, jornalistas na TV também são consequência e não apenas causa, é claro. E como diria um amigo escritor, não há estética sem política e política sem estética.

Enfim, rugas são lindas. Porque rugas contam histórias, que foram doces ou amargas. Histórias que merecem ser reveladas. Até para que não ignoremos o tempo e a finitude.

Afinal de contas, como disse o poeta Manoel de Barros, "pensar que a gente cessa é íngreme".

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.