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Leonardo Sakamoto

Por que tanta gente gosta de escrever para o próprio umbigo na internet?

Leonardo Sakamoto

16/11/2013 10h30

Tirei uma hora desta manhã para colocar em dia a leitura de algumas reportagens e artigos que andei separando ao navegar pela rede. Creio que muitos de vocês compartilham com o mesmo sentimento de frustração de se deparar com tanta coisa interessante e ir juntando tudo, mesmo sabendo que nunca terá tempo para ler.

Ou, nascendo em família rica, optaram por não trabalhar e podem ler à vontade, não compreendendo patavinas da frustração supracitada.

Luta de classes à parte, o fato é que considerei muitos dos textos que separei quase impossíveis de serem compreendidos. Estavam bem formatados, adequados às normas linguísticas, mas não dialogavam com o leitor. Quando muito com o próprio umbigo sujo do seu criador.

Parecia que as palavras haviam sido escolhidas para demonstrar que seu autor tinha um bom estoque delas em seu curral intelectual e não para passar a ideia da forma mais simples possível. E simples não significa superficial ou pouco profundo.

Esta discussão é diferente daquela travada no jornalismo sobre a necessidade de fugir do economês, do juridiquês, do politiquês ou da pavonice cultural para tratar de assuntos específicos que interessam a determinados grupos. O nó é mais embaixo. Tem a ver com a vontade de esbanjar um conhecimento desnecessário a fim de se validar com determinado grupo social. Os outros jornalistas, por exemplo.

Antes da popularização da internet, o jornalista não tinha como ter certeza se foi lido ou não. Quando recebia uma mensagem escrita, já era a certeza de sucesso. A menos que o veículo impresso fizesse uma pesquisa com os leitores, era impossível aferir corretamente o ibope de determinado assunto.

Por conta de uma reportagem especial, recebi – há mais de dez anos – algo como umas duas dezenas de cartas. Sim, cartas, daquelas escritas a caneta. Sim, caneta, lápis, lapiseira – essas antiguidades paleozóicas que você descobriu em um verbete da Wikipedia. Aquilo foi algo assombroso, pelo qual estufava o peito feito um pombo e me acha o p das galáxias.

Hoje, isso se tornou corriqueiro. Em muitos casos, menos profundo, mais banal e corriqueiro. Mas quem disse que jornalismo deve ser sagrado e não mundano?

É claro que uma reportagem sobre o suicídio do pug zarolho de uma ex-BBB chama mais atenção do que o assassinato de indígenas no Sul da Bahia ou a morte de jovens na periferia de São Paulo.

Mas há um outro componente que diz respeito à linguagem usada nos textos. A quantidade de informação disponível na internet já deixou claro que teremos que ser mais atraentes para que o conteúdo que oferecemos seja consumido em detrimento a muita coisa que está por aí. As pessoas vão ler cada vez menos jornais e revistas por inteiro, com o ordenamento hierarquizado e vertical que os veículos impõem, e consumirá informação de forma horizontal, através das páginas e blogs curtidos em suas redes sociais.

Chegou a hora, portanto, de quem não se dignou ainda, descer do pedestal. Escrever para os colegas e meia dúzia de intelectuais pode ser bom para o ego e agrega valor ao camarote. Mas adotar esse modelo pensando no seu poder de pautar é esquecer que as próprias redes já fazem isso em escala muito maior com materiais que são facilmente compreendidos pela maioria, abrangendo não apenas os coleguinhas mas outros polos de difusão na internet, com capacidade de replicação maior que veículos tradicionais. Como organizações da sociedade civil, a classe artística e lideranças comunitárias, por exemplo. Criando ondas que são sentidas nos parlamentos ou nas casas de governo, sejam elas políticas ou corporativas.

O fato é que, como diria um antigo professor de jornalismo, muitas vezes escondemos nossa indiferença com o outro ao escolher a linguagem que usamos.

E isso não se altera com escolha de palavras. Mas com mudança na visão de mundo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.