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Leonardo Sakamoto

O Brasil que condena por desinfetante e mata por pão de queijo

Leonardo Sakamoto

08/12/2013 09h39

Rafael
Condenado a cinco anos de prisão por carregar pinho sol e água sanitária durante as manifestações de junho. O Ministério Público e a Justiça consideraram que o catador de material reciclável iria fazer um coquetel molotov.

Maria Aparecida
Mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador em um supermercado. Perdeu um olho enquanto estava presa.

Sueli
Condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas em uma loja.

Januário
Espancado por cinco seguranças, durante 20 minutos, no estacionamento de um hipermercado. Acharam que o vigilante estava roubando o próprio automóvel.

Domingos
Assassinado ao tentar entrar em uma agência bancária. Não adiantou ele mostrar um documento comprovando que usava um marca-passo, o que faria a porta-giratória apita, mesmo assim levou bala.

Franciely
Acusada de ter roubado duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em um hipermercado.

Ademir
Assassinado por ter furtado coxinhas, pães de queijo e creme para cabelo de um supermercado. O pedreiro foi levado a um banheiro, agredido com chutes, socos e um rodo e deixado trancado, definhando. Morreu por hemorragia interna e traumatismos.

Maria Baixinha
Assassinada por espancamento, junto a outras seis pessoas em situação de rua, no Centro de São Paulo. Na época, policiais militares e seguranças privados foram apontados como responsáveis, formando uma espécie de grupo de extermínio.

Valdete
Condenada a dois anos de prisão em regime fechado por ter roubado caixas de chiclete. Teve um habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal, pois o princípio da insignificância não se aplicaria, afinal não era para saciar a fome.

Walter
Espancado em uma cela para que confessasse o furto de uma máquina de lavar do desembargador Teodomiro Fernandez, crime que ele não cometeu. Cuspindo sangue, pediu pediu que o magistrado fizesse o investigador de polícia interromper a sessão de tortura. "Ele vai parar, quem vai bater agora sou eu", foi a resposta. Ambos não foram para a cadeia porque o crime prescreveu.

Mas, calma, não precisa se preocupar. Estado e empresas só agiram dessa forma porque esse pessoal era pobre. Se você não se enquadra nessa categoria (e também não é negro, índio, homossexual, transexual, mulher…), fique tranquilo. Mesmo que tenha antecedentes. O Brasil foi feito para você e continua a ser o país mais legal do mundo.

E vai ter Copa!

. bra

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.