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Leonardo Sakamoto

O caso do Busão dos Paraguaios (ou como entendemos pouco de imigração)

Leonardo Sakamoto

21/01/2014 17h44

Ônibus com paraguaios com destino a São Paulo foram barrados pela Polícia Rodoviária Federal no Estado do Paraná, na última semana. Os números não estão totalizados, mas há, pelo menos, 180 pessoas envolvidas.

A notícia correu os veículos de comunicação e, ato contínuo, as redes sociais polvilharam comentários que defendiam o fim dessa "invasão" de paraguaios e até ações dos próprios cidadãos contra esses "imigrantes ilegais" – no melhor estilo dos grupos paramilitares que atuam na fronteira entre Estados Unidos e México. Também falou-se em necessária deportação de invasores.

Infelizmente, isso é decorrência de nossa falta informação com relação aos direitos dos imigrantes no Brasil.

Antes de mais nada: paraguaios podem entrar no Brasil sem precisar de visto ou passaporte, contando apenas com seu documento de identidade.

Segundo João Guilherme Granja Xavier, diretor do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, eles não precisam de autorização para entrar no Brasil. O acordo de residência entre Estados Partes do Mercosul e associados, transformado em decreto em 2009, garante, que brasileiros, argentinos, paraguaios, uruguaios, bolivianos, chilenos, colombianos e peruanos estabeleçam residência em qualquer um desses países.

Se quiserem morar no Brasil, eles podem fazer a solicitação em seu país de origem ou regularizar sua situação caso já estejam por aqui. "Poderão regularizar sua situação migratória, a qualquer momento, com isenção de multas ou outras sanções administrativas", afirma João Guilherme.

O acordo de residência garante também que os cidadãos desses países possam trabalhar no Brasil. De acordo com Renato Bignami, coordenador da fiscalização de trabalho escravo contemporâneo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, o ideal é que a pessoa também solicite autorização no seu país de origem, mas caso já esteja trabalhando por aqui, pode regularizar a condição sem multa ou punição.

Com base na legislação, mesmo que o interesse dessas pessoas seja o de conseguir emprego em São Paulo, não podem ser impedidas de prosseguir viagem. Primeiro, não cometeram nenhum delito ou infração. Além disso, mesmo que venham a trabalhar no futuro, podem se regularizar a posteriori.

"Se há indícios de que a pessoa foi ou está sendo vítima de tráfico de pessoas, independentemente da nacionalidade, ela não poderá ser expulsa do país. Pelo contrário, o Estado brasileiro deve garantir sua proteção", explica José Guerra, secretário-executivo da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. O Brasil é signatário do Protocolo de Palermo, que trata do combate ao tráfico de pessoas e do acolhimento a vítimas.

Então, o que aconteceu no caso dos paraguaios?

Segundo Pedro Paulo Bahia, assessor de comunicação do Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), agentes da instituição verificaram que os ônibus com os paraguaios não haviam passado pelos procedimentos de imigração.

Os nacionais dos países do Mercosul podem transitar livremente pela área de fronteira sem apresentar documentos. Afinal, há uma intensa troca econômica, social e cultural em cidades que são conurbadas, como Chuy (Uruguai) e Chuí (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) e Ponta Porã (Brasil), ou que dependem uma da outra, como Foz do Iguaçu (Brasil) e Ciudad del Est (Paraguai).

Porém, quando qualquer pessoa se desloca para além dessa faixa de fronteira, deve fazer os procedimentos de imigração. Por exemplo, um brasileiro deixando Ciudad del Est e indo para Assunção ou um paraguaio vindo de Foz do Iguaçu para São Paulo. Segundo Pedro, os paraguaios têm o direito de entrar livremente, mas deveriam ter passado por um dos postos de controle se desejassem sair dessa região.

A DPRF encaminhou os paraguaios até a Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu.

Alexander Taketomi, chefe nacional do serviço de repressão ao trabalho forçado do Departamento de Polícia Federal (DPF), afirma que os paraguaios não foram expulsos, nem deportados, como circulou pela mídia e redes sociais. Segundo ele, os grupos foram notificados a retornarem até um posto de fronteira e fazer o procedimento imigratório para entrada em território nacional. Após isso, foram liberados.

"A atuação da Polícia Federal nesses casos se restringiu à fiscalização de imigração pois, até então, não havia outros elementos que indicassem a ocorrência de eventuais crimes que justificassem a instauração de investigação", explica também Fabio Tamura, delegado da Polícia Federal em Foz do Iguaçu.

Se eles se negarem a fazer esse procedimento, aí sim poderão ser alvo de futura deportação ao serem abordados novamente pela Polícia Federal.

Enfim, eles foram barrados porque não passaram pela imigração, como prevêem as regras brasileiras.

Por que, então, entraram no Brasil dessa forma?

Os agentes da Polícia Federal não têm uma resposta para isso ainda. Conversei com paraguaios que já trabalharam em oficinas de costura aqui em São Paulo. Medo e desinformação podem levar a não fazer o registro de entrada. Alguns reclamaram de falta de informação sobre os próprios direitos (em parte por culpa do governo paraguaio). Mas há também o medo imposto por contratadores de emprego informal que, algumas vezes, acabam em trabalho análogo ao de escravo. Digo algumas porque há um estigma grande contra imigrantes latino-americanos em São Paulo, mesmo que não tenham passado por essa forma de exploração.

Por fim, um lembrete: está em desuso o termo "imigrante ilegal", uma vez que não existe pessoa ilegal e sim que está descumprindo uma legislação local. Historicamente, houve um preconceito contra esse grupo que, agora, opta-se por evitar. O que podemos falar é em pessoa em situação de imigração irregular, imigrantes indocumentados ou não documentados.

Casos de tráfico de seres humanos – Policiais federais e policiais rodoviários federais são orientados a não expulsar trabalhadores que foram vítimas de tráfico de seres humanos ou trabalho escravo. A recomendação se baseia na Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração, número 93, de 21 de dezembro de 2010. Ela prevê que poderá ser concedido visto permanente ou permanência aos estrangeiros que estejam no Brasil em situação de vulnerabilidade, vítimas do tráfico de pessoas. Isso vale para exploração sexual, trabalho análogo ao de escravo ou remoção forçada de órgãos.

A maior parte dos agentes e delegados não adota a expulsão como regra, mas a existência de casos preocupou o Ministério da Justiça, Ministério Público, órgãos governamentais e entidades da sociedade civil.

A possibilidade de expulsão de vítimas é usada como ameaça por contratadores de mão de obra para manterem os trabalhadores sob seu controle. Temendo serem mandados embora do país sem remuneração, permanecem sem reclamar das condições.

Um exemplo é uma trabalhadora boliviana de uma oficina que fornecia para a marca 775 flagrada com mão de obra análoga à de escrava em 2010. Após ter sido encontrada pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, ela optou por voltar para a casa. Mesmo assim, foi expulsa pela Polícia Federal no momento de sair do país. As orientações do comando da instituição podem não  resolver imediatamente a situação devido à burocracia para a regularização dos trabalhadores, por exemplo. Mas é uma sinalização importante por parte de instituições que tem um papel central no combate a esses crimes.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.