Topo

Leonardo Sakamoto

Você está na "lista suja" dos empregados que reclamam dos patrões?

Leonardo Sakamoto

30/01/2014 12h44

"Aqui ninguém reclama com medo de entrar na lista." Durante uma reportagem no Sudeste do Pará, anos atrás, um grupo de trabalhadores de um grande frigorífico que operava na região me confessou que os gerentes e administradores da empresa mantinham um "cadastro negativo" de empregados. Para lá iam aqueles que reclamavam das condições de serviço e da remuneração, os que tentavam organizar os colegas e, principalmente, os que entravam com ações trabalhistas contra a empresa. Os nomes eram compartilhados para outros frigoríficos e dificilmente a pessoa conseguia emprego na região.

Essa empresa passou por uma grande crise e foi comprada por um grupo maior que, ao que tudo indica, adotou práticas mais éticas de atuação junto aos trabalhadores. Mas esse tipo de prática – de produzir "listas sujas" de empregados – continua incrivelmente comum não só no interior como em capitais, das ocupações ligadas a classes sociais mais pobres quanto àquelas preenchidas pela classe média alta.

Há gente mal-intencionada que faz de tudo para extorquir empresas? Claro, ninguém está dizendo que todo trabalhador é bonzinho e todo empresário é malvado. Cansei de acompanhar casos em que o empregado roubou, mentiu, atrapalhou a vida dos colegas e depois posou de santo na frente do juiz do Trabalho para tentar levar uma bolada. O sistema não é perfeito, muito pelo contrário.

Mas, ao mesmo tempo, há grupos de empresas que fazem circular informações para seus pares a fim de limar gente do mercado pelo simples fato de que esses profissionais conhecem seus direitos e resolveram exigi-los. Não estou falando de falhas técnicas ou problemas graves de convívio social ou de honestidade, mas de direitos previstos em lei. Este blog ouviu profissionais de indústrias, engenharia e comunicação, além de especialistas, para falar dessas "listas suja" de trabalhadores.

Ao ler este post, alguns colegas jornalistas devem estar pensando: poxa, mas essa é a história da minha vida! E, para muitos, é mesmo.

Pois a quantidade de casos que ouvimos aqui e ali de profissionais de comunicação que, demitidos após anos batendo ponto em redações, saem nus, com uma mão na frente e a outra atrás, é grande. Como eram terceirizados, contratados não em regime de CLT mas como pessoa jurídica que emitia nota fiscal própria todos os meses, não recebiam 13o salário, FGTS e, não raro, nem conseguiam tirar férias remuneradas.

Um amigo nessa condição foi recentemente demitido de um veículo de comunicação. Ele nunca ganhou o suficiente para garantir um colchão de proteção para ele e sua família. Perguntei se precisava de um advogado trabalhista para exigir os seus direitos e ele gentilmente negou. "Se eu fizer isso, nunca mais trabalho na área." E despejou mais casos de jornalistas que teriam adentrado o Triângulo das Bermudas do Processo Trabalhista e nunca mais foram vistos.

É claro que há uma crença exagerada na capacidade das empresas de comunicar-se e dessa rede agir contra os indivíduos. Mas poucos pagam para ver. Para escrever este post, entrei em contato com três colegas que eram "frilas fixos" em redações, foram demitidos em condições injustas, não receberam nenhum direito e pensaram até em mover processos, mas desistiram, também por medo de ser "fichados". Por razões óbvias, pediram para não publicar o nome de nenhum deles.

"Os casos mais frequentes que vemos aí de processos trabalhistas são quando a pessoa quer mudar de profissão, vai se aposentar ou o veículo dela está fechando as portas. Aí, o povo vai para as cabeças", lembrou um deles.

Tanto o Ministério Público do Trabalho quanto o Ministério do Trabalho e Emprego têm casos na algibeira para mostrar que isso não é lenda urbana feito a Mulher de Branco ou o Homem do Saco.

De acordo com Valdiney Arruda, auditor fiscal do trabalho e ex-superintendente regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso, há denúncias de "listas sujas" de trabalhadores envolvendo setores como o comércio e indústria no Estado. "Os departamentos de recursos humanos das empresas se comunicam." Segundo ele, elas registram o histórico do funcionário, como seus currículos, mas incluem como algo desabonador reivindicações trabalhistas, por exemplo. E essa espécie de rede interna é utilizada na contratação de novos empregados.

O problema é que essa não é uma prática aberta. Ela ocorre de forma silenciosa, travestida de bancos de dados e egroups. Portanto, difícil de ser combatida.

A área da engenharia é outra com incidência dessas listas. Engenheiros prestam serviço para escritórios que, por sua vez, têm grandes empresas petroquímicas e de engenharia como clientes. Conversando com profissionais de dois escritórios de São Paulo e Rio de Janeiro todos disseram que é grande a presença de pessoas jurídicas sem nenhum direito entre os quadros.

"O problema não é dar nota fiscal. É não ter direito algum na hora de ser demitido e nem poder reclamar com medo de não conseguir emprego em lugar nenhum", afirma um deles.

Se "colaboradores" (empregados) são "descontinuados" (demitidos) com facilidade hoje, imagine se aprovado o projeto de lei que legaliza a contratação de prestadoras de serviços para executarem atividades-fim em uma empresa, que está sendo analisado pelo Congresso Nacional. O texto é um substitutivo de Arthur Maia (PMDB-BA) sobre o projeto 4330/2004 do empresário Sandro Mabel (PMDB-GO) e tem gerado polêmica na Câmara dos Deputados, com enfrentamento entre sindicalistas e empresários.

Luiz Favre, procurador do Trabalho em São Paulo, também confirmou ao blog denúncias envolvendo trabalhadores do setor petroquímico. De acordo com ele, se alguém acreditar que está sendo boicotado por uma empresa deve procurar o Ministério Público do Trabalho que a instituição irá apurar a denúncia. Favre também confirma casos envolvendo a indústria petroquímica. Outra forma é buscar mover ações coletivas contra a empresa no momento de exigir os direitos não garantidos. Dessa forma, despersonaliza-se a ação e fica mais difícil, inclusive, criar punições. Mas isso depende dos trabalhadores entenderem seus direitos e aceitarem se juntar para correr atrás deles.

Daí reside um problema. Talvez pelo fato de que o medo é algo assentado ao longo do tempo, ele vai lá no fundo e torna-se presente na vida de muita gente. "Ah, mas o que tenho para receber não vale o risco de ficar sem emprego." Para tanto, faz-se necessário organização, não apenas via sindicatos, mas internamente, dos colegas, em cada empresa a fim de denunciar e publicizar boicotes e discriminações.

Boicotes que podem assumir as formas mais diferentes. Um colega que participou como liderança de uma greve, após a campanha salarial terminar, foi punido pela direção da empresa de forma bem sutil, mudando-o de função. Em outros casos, grevistas são demitidos e não conseguem emprego em outros lugares. Mas quem se importa? Afinal de contas, foi meu colega o demitido que não consegue emprego, não eu.

Por fim, fica um gosto amargo na boca ao perceber que essas "listas" nem precisariam existir de fato. Basta que boatos sejam soltos feito cães raivosos. Pois eles acuam lentamente a coragem dos próprios trabalhadores. Sem muito esforço.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.