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Leonardo Sakamoto

STF volta a discutir competência para julgar trabalho escravo

Leonardo Sakamoto

13/02/2014 04h20

Está na pauta do Supremo Tribunal Federal, desta quinta (13), o julgamento de um recurso extraordinário que trata da competência da Justiça Federal para julgar o crime de trabalho análogo ao de escravo.

É a segunda vez que o STF discute quem deve ser o responsável por analisar casos de trabalho escravo: a Justiça Federal ou a Estadual. Em novembro de 2006, a corte já havia decidido por 6 votos a 3 a competência da Justiça Federal, antiga reivindicação de entidades da sociedade civil e atores públicos que atuam no combate a esse crime.

Caso a Justiça Federal seja, agora, declarada incompetente, processos que nela tramitam devem ser encaminhados à Justiça Estadual. De acordo com José Guerra, secretário-executivo da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, isso pode levar à prescrição de ações penais e, portanto, à impunidade.

Apesar de haver milhares de responsáveis pelas mais de 45 mil pessoas libertadas da escravidão desde 1995, há registro de pouco mais de 50 condenações de primeira instância que raramente deixam de se converter em doação de cestas básicas. Ou seja: já é raro mandar alguém para a cadeia por trabalho escravo no Brasil. Dependendo da decisão, ficará mais raro ainda.

O cálculo para a prescrição de um crime considera o tempo decorrido entre a denúncia do Ministério Público e a sentença do juiz. A pena máxima prevista para trabalho escravo é de oito anos, o que implica um prazo de prescrição de 12 anos. A Justiça, porém, tem optado pela pena mínima de dois anos pois, muitas vezes, o réu é primário e tem bons antecedentes. Se o processo durar quatro anos e o juiz der dois anos de pena, o crime prescreve. Dessa forma, muitos criminosos têm conseguido permanecer impunes. O tempo não "zera" caso um processo mude de esfera.

O recurso extraordinário foi interposto contra um acórdão da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1a Região, ao analisar um caso de trabalho escravo no Mato Grosso, que declarou ser da Justiça Estadual a competência para julgar esse crime, previsto no artigo 149 do Código Penal.

O então ministro e relator do caso Cezar Peluso votou pela competência da Justiça Estadual, pois não reconheceu interesse da União ou ameaça à organização do trabalho nesse crime. Já Dias Toffoli reiterou a decisão do próprio STF, de novembro de 2006, que reconheceu a competência da Justiça Federal. O julgamento do RE 459.510 foi interrompido, em fevereiro de 2010, devido a um pedido de vistas de Joaquim Barbosa.

A Procuradoria Geral da República defende a manutenção da competência na Justiça Federal, tendo defendido esse posicionamento no julgamento.

Contra o acórdão estaria a violação da competência da Justiça Federal para processar e julgar infrações penais praticadas contra a organização do trabalho e para crimes previstos em tratados ou convenções internacionais, além de ser tema de interesse da União. Em defesa do acórdão, não teria ocorrido um pré-questionamento da matéria constitucional.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.