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Leonardo Sakamoto

Por uma direita que saiba História e produza memes de qualidade

Leonardo Sakamoto

27/04/2014 11h09

Em minha página no Facebook, semanalmente destaco um meme que faz escárnio com este que vos escreve. Rir com os outros quando eles riem da gente pode ser muito divertido.

Pincei o último deles para cá porque acho que o debate vale a pena. Porque não é apenas o ensino de interpretação de texto que está capenga em nossas escolas. O aprendizado de história também deixa a desejar.

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Diz aí: em 1998, eu era gatinho, não era? Mas não é muito mérito meu e sim de mosquitos: peguei minha primeira malária nesse acampamento. E malária emagrece pacas… Aproveitando o ensejo, agradeço ao autor do meme por não ter escolhido uma foto em que apareço (muito) cabeçudo. E reafirmo o que disse às fábricas de panetones que me chamaram para garoto-propaganda: não, obrigado.

O Tio Stálin é uma boa sacada, merece um riso (haha). Mas o nível de conhecimento histórico do resto é que me surpreende.

Um povo passa um quarto de século lutando contra um exército invasor, que matou mais de um terço de sua população, estuprou milhares de mulheres através de uma política de limpeza étnica, roubou terras e recursos naturais e condenou outros tantos à inanição. E, praticamente sem ajuda de ninguém, vence, tornando-se um país livre. Ao sair, esse invasor e seus parceiros ainda promovem um último banho de sangue. O mundo saúda a conquista da autodeterminação e a história desse povo torna-se um exemplo.

Daí um pessoal aqui no Brasil, que faltou nas aulas de história para brincar no gira-gira do parquinho, que gastou o tempo de leitura com o dedo enfiado no nariz na frente da TV ou se divertindo sendo quem não era em chats adultos, chama o exército desse povo de "milícias paramilitares".

E, pior: devem acreditar piamente que "resistência" é bandidagem", não conseguindo diferenciar uma coisa de outra através de reflexão. A menos que seu colunista preferido ou veículo de comunicação do coração lhe façam o favor de interpretar o mundo. Pois essa tarefa ele ou ela já terceirizaram há tempos.

Como já disse aqui antes, amo essa foto que tirei ao lado de combatentes em um dos acampamentos das forças armadas para a libertação nacional de Timor Leste durante uma longa reportagem sobre a guerra pela independência em 1998. Hoje, essas mesmas pessoas estão reconstruindo um país. Livres.

Não tenho dúvida alguma que, hipoteticamente, se o Brasil fosse invadido por um exército estrangeiro (coisa que não vai acontecer no horizonte visível de futuro), esses seriam os primeiros a se oferecem como colaboracionistas. Ou, falando em português claro: entreguistas e traíras.

Certamente, em troca, pediriam que fosse garantida a ordem para que houvesse progresso. Não duvido que seriam os primeiros a apontar as mulheres que "mereceriam" um corretivo por não se portarem ou se vestirem como se espera delas. A sugerir que minorias que reivindicassem direitos fossem caladas pelo risco que representam aos "homens de bem". A exigir que a "religião oficial" fosse respeitada em detrimento a "cultos demoníacos." E que, uma vez que uma cena como a da queima de livros de Fahrenheit 451 pareceria demodê, que os bancos de dados de sites que propagam ideias que respeitassem os direitos humanos fossem terminantemente apagados e seus autores presos.

Enfim, critiquem, brinquem, tirem barato. A gente que escreve para o público está na chuva é para se molhar mesmo. Mas será que é impossível pedir uma direita que saiba história e, com boas sacadas, produza piadas inteligentes e sarcasmo decente? Tem tanta coisa ridícula na esquerda também, tanta coisa para zoar que a #zoeiraneverends. Não, nãõ me conformo. Eu sei que vocês querem. Eu sei que vocês podem! Inspirem-se no exemplo do finado Roberto Campos. Garra, galera, garra!

Afinal, país rico é país com memes de qualidade.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.