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Leonardo Sakamoto

Dilma: Você pode protestar contra a Copa. Desde que não proteste

Leonardo Sakamoto

13/05/2014 17h44

"Quem quiser manifestar, pode! Mas quem quiser manifestar não pode prejudicar a Copa", disse Dilma Roussef, nesta terça (13).

Nem sei nem por onde começar.

Primeiro, questões semânticas: o que "prejudicar" significa para ela? É claro que ninguém em sã consciência defende que se ateie fogo em ônibus de equipe estrangeira, queimando jogadores. Mas realizar protestos que causem congestionamentos no entorno dos estádios e prejudiquem a mobilidade entra na conta da presidente? Desconfio que sim.

Vai ter Copa?

Vai ter Copa? Copa sempre tem, o problema é o preço

Ou seja, dependendo do ponto de vista, qualquer coisa pode prejudicar a Copa e, portanto, ser alvo das forças de segurança federal e estaduais.

Além do mais, considerando que a Copa será o motivo dos protestos, o que os manifestantes deveriam fazer? Ir em um "protestódromo" e ficar gritando para as paredes?

Por fim, e talvez o mais importante, quem a presidente, governadores e prefeitos pensam que são ao dizer que a população pode ou não protestar? O direito à livre manifestação é mais importante que o mandato de qualquer um deles.

Adoro futebol – apesar de torcer para o Palmeiras e ser um goleiro de merda nas várzeas da vida. E vou acompanhar a Copa, beber e discutir inutilidades futebolísticas com os amigos. Mas isso não faz com que seja menos crítico à tragédia anunciada que foi a sua preparação.

Dilma disse que democracia não significa vandalismo, nem em prejuízo para a população para, logo depois, elogiar o novo terminal do aeroporto internacional de São Paulo.

Mas de que população ela está falando? Pois vandalismo foram os mais de 100 trabalhadores resgatados do trabalho escravo durante a construção do terminal. Ou as mortes nas obras dos estádios. Ou a esbórnia que é o relacionamento de empreiteiras com partidos do governo e da oposição.

E, por fim: por mais que o novo terminal de São Paulo seja importante para o país, gastar saliva elogiando obra envolvida com libertação de escravos logo nos 126 anos da Lei Áurea é o ó do borogodó.

"É uma obra excepcional. Acho de um má vontade terrível com o país."

"Excepcional" seria se o trabalhador não fosse sempre o elo mais fraco. "Má vontade" é ver tudo isso e não falar nada.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.