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Leonardo Sakamoto

Sobre Pikachus, parasitas sociais e a disputa pelo terceiro lugar da Copa

Leonardo Sakamoto

12/07/2014 12h09

Gostaria de saber o que passa pela cabeça de pessoas que projetam nas outras os seus próprios desejos ao invés de buscar efetivá-los de outra forma.

Por exemplo, você escreve um texto sobre os Cavaleiros do Zodíaco e a pessoa te persegue por uma semana, dizendo que é ridículo escrever sobre Cavaleiros do Zodíaco, que o mais lógico, claro, útil, honesto e patriótico seria falar sobre Pokémon.

Quanto mais você apresenta razões para falar sobre Cavaleiros do Zodíaco, mais será tachado de petista energúmeno ou de crápula tucano. Ou, pior: em um rompante de Compadre Washington, seu interlocutor te lançará aos leões com um definitivo "Sabe de nada, inocente!".

O Pikachu em questão é livre para escrever sobre Pokémon, mas não escreve. Só ficará satisfeito se todo mundo discorrer sobre o tema. Pois acha que o mundo deveria dobrar-se de joelhos diante de sua própria causa.

Outro exemplo: você resolve defender que uma causa qualquer, por exemplo, o direito de morder tampas de canetas esferográficas azuis, e alguém te aporrinha, afirmando categoricamente e sem chance de defesa que este é um ato egoísta, prepotente e arrogante, uma vez que há outra causa mais importante, como o fim do preconceito de bacon antes de dormir.

Quanto mais você pondera, que toda causa é importante, é taxado de burguês que empaca a revolução (oi?) ou enviado à Cuba (oi, oi?).

Mobilidade urbana? E os direitos dos povos indígenas?
Direitos indígenas? E os sem-teto ?
Sem-teto? Esqueceu dos sem-terra porque lhe convém, né?
Sem-terra? Mas sem meio ambiente não há nada!
Meio ambiente? Esqueceu dos direitos das mulheres?
Feminismo? Esqueceu do trabalho infantil?
Trabalho infantil? E a nossa sociedade respeita os mais velhos?
Direitos dos idosos? E a legalização da maconha?
Legalização da maconha? (Maconheiro!) E as parturientes?
Parto humanizado? E os direitos LGBTTQA?
Vai ficar discutindo identidade, gênero e afins e esquecer da herança da ditadura?
Ditadura? E os impactos causados pela Copa?
Impactos da Copa? Você se acha melhor do que as outras espécies? Vegetarianismo? E a violência policial, pô?
Violência policial? Sem educação, não há solução.
Educação de quem? Negros no Brasil são ignorados em seus direitos.
Movimento negro? Não, a questão da liberdade de expressão engloba tudo.
Liberdade de expressão? E meu direito à mobilidade urbana?

Detesto essas discussões fratricidas. de um falso antagonismo e uma competição mais falsa ainda, que não nos levam a nenhum lugar.

Algumas pessoas não param para refletir que tudo isso faz parte do mesmo pacote de direitos fundamentais e que podemos atuar em algumas frentes e apoiar muitas outras. Mas defender uma delas, que nos comove em especial, não significa ignorar as demais.

E se temos algumas pessoas abnegadas que adotam, por vezes, um comportamento patrulheiro, por outro lado também contamos com gente que não move uma palha mas faz questão de questionar o comportamento dos outros. Tentam compensar seu imobilismo através das ações de outras pessoas. Esse tipo de parasitismo social dá paúra no estômago.

Ao mesmo tempo, apoiar uma causa não significa necessariamente se transformar em um papagaio monotemático e obsessivo e tratar do mesmo assunto a todo momento. A vida é complexa e plural, tem espaço para falarmos de muitas coisas diferentes.

Ou não falar de nada e só ver um jogo e curtir um churrasco na laje. Porque ninguém é de ferro também.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.