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Leonardo Sakamoto

A PM do Rio não é violenta. Está só juntando pontos para trocar por prêmios

Leonardo Sakamoto

14/07/2014 10h36

Após a ação desastrosa no entorno do Maracanã, durante a final da Copa, neste domingo (13), em que a Polícia Militar do Rio de Janeiro agrediu manifestantes e jornalistas, um papel foi encontrado amarrotado no chão.

Ele confirma a denúncia – nunca levada a sério por pessoas com o mínimo de bom senso – de que toda a violência contra manifestantes é, na verdade, parte de um grande game. Se você não entendeu porque nasceu na idade da pedra digital, uma espécie de "gincana".

Ao final do mês, os policiais podem trocar os seus pontos por livros, DVDs, eletrodomésticos e passagens aéreas. Isso sem contar que, no final do ano, quem juntou mais pontos ganha um carro zero quilômetro e uma promoção no emprego.

Ou seja, tudo isso não tem a ver com a formação dos policiais militares, heranças mal resolvidas da época da Gloriosa, a incapacidade de entender liberdade de imprensa e liberdade de expressão ou mesmo a utilização da corporação para controle social ao invés de proteção da população.

Eis o que estava escrito no papel encontrado no Rio:

Jornalista brasileiro de veículo independente: 5 pontos
Jornalista brasileiro de veículo tradicional: 4 pontos
Jornalista estrangeiro de país pobre: 4 pontos
Jornalista estrangeiro europeu: 8 pontos
Blogueiro de esquerda: 0 ponto (não fez mais do que a obrigação)
Jovem branco sem máscara: 2 pontos
Jovem com biografia do Marighela na mochila: 3 pontos
Jovem de classe alta com pais influentes: (perde) 2 pontos
Jovem com máscara: 6 pontos
Jovem morador de favela: 1 ponto
Pai que vai buscar o filho na manifestação: 0 ponto
Liderança de movimento social: 3 pontos
Liderança de movimentos social sem liderança: 1 ponto
Sindicalista: 1 ponto (tem muito por aí)
Deputado comunista: 7 pontos
Senador comunista: 8 pontos
Policial infiltrado: (perde) 2 pontos
Argentino: 3 pontos
Cidadão negro e pobre que estava passando por perto, não tinha a ver com a história e já apanha a toda hora: 0 ponto (lembre-se: alvo de treino não gera pontuação)

Enfim, dêem um desconto. A polícia não é truculenta. É só um jogo. Um grande jogo.

Em tempo: eu acho um absurdo ter que explicar o que é um texto com figuras de linguagem. Então, não vou fazer isso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.