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Leonardo Sakamoto

Repasse este post para dez amigos ou o Brasil deixará de existir

Leonardo Sakamoto

30/08/2014 17h15

Abri uma mensagem, tempos atrás, que revelava um complô de toda a mídia para esconder que a lei da Ficha Limpa estaria sendo revogada na surdina. O remetente pediu para que a mensagem fosse passada adiante para 12 pessoas (!) e que aquele esforço de massas não fosse quebrado sob o risco de voltarmos a ser uma cruel ditadura.

(Suspiro…)

Lembrei-me daquelas correntes de simpatias que ameaçavam com a perda da felicidade, a bancarrota completa, a impotência sexual e muitas cáries nos dentes quem ousasse interromper a histeria coletiva. Com a diferença de que, ao contrário dessas besteiras que dizem respeito ao sucesso individual, a outra questiona o nosso futuro como sociedade.

Normalmente, quando recebo essas abobrinhas, limito-me a apagar a mensagem e bloquear o remetente. Não é mau humor. Mas desse povo não quero nem e-mail de feliz aniversário.

Contudo, dessa vez, não aguentei o pacote de falta-do-que-fazer e respondi aos que estavam listados com informações, com fonte e autor, contradizendo educadamente as sandices em questão. Eis que começaram a pipocar na minha caixa postal alguns indignados pedindo para, se não fosse ajudar, que não atrapalhasse.

Inclusive, o autor da tese estapafúrdia ficou possesso, dizendo que eu era um "vendido" ao sistema e que, graças à internet, a verdade que queria encobrir não ficaria mais escondida. Até porque, como diria Fox Mulder, a verdade está lá fora.

Uma mentira contada repetidas vezes vira verdade, o que não é novidade. O discurso pode ser construído e legitimado por ele mesmo. Se a mensagem está bem estruturada, usando elementos simbólicos comuns ao universo do destinatário, que ele consegue consumir facilmente, e que fazem algum sentido, por que não acreditar?

Ainda mais porque questionar com profundidade leva tempo, coisa que está cada vez mais difíci juntar.

Um amigo, criador de um famoso site que traz experiências científicas e explica o funcionamento das coisas, desmontou a farsa de um vídeo que mostrava a geração de energia elétrica a partir do nada. Foi atacado por um mundaréu de gente. Disseram que ele estava com inveja por não ter conseguido reproduzir o moto perpétuo (ele e todos os cientistas até hoje…) e que não compreendia a conspiração das multinacionais contra a energia limpa e gratuita.

Nessas horas, se eu acreditasse no sobrenatural, olharia para o céu e bradaria: Queima, Senhor, queima!

Bem, o que seria do mundo sem teorias da conspiração? Não apenas a vida seria menos divertida e romântica, como teríamos também que assumir muitas de nossas responsabilidades sem jogar a culpa no desconhecido, no oculto, no sobrenatural, no estrangeiro.

Outro e-mail que não para de circular é a famosa teoria de que os estrangeiros querem destacar a Amazônia do restante do país, ocupando-a com forças militares. Quem curte envia, como argumento irrefutável, fotos de livros didáticos obscuros com mapas esquisitos (escritos provavelmente na Springfield dos Simpsons) ou documentos com planos mirabolantes de tomar a maior floresta tropical do mundo.

Faz muito sucesso entre militares da reserva e desocupados em geral. Mas não respondem uma pergunta básica: para que ter o trabalhão de tomar conta daquela bagunça fundiária, se as riquezas já fluem para fora da Amazônia através de empresas brasileiras e estrangeiras? Empresas que, aliás, adoram financiar políticos nacionalistas que são chegados numa teoria da conspiração.

Qual a razão de alguém dar ouvidos a uma teoria da conspiração dessas eu não sei, mas tem sempre um chinelo velho para um pé cansado, né?

O fato é que ameaças forjadas com propósitos, sem rosto, sem nome, mas tornadas gigantes por mensagens sem preocupação com a realidade, mexe com o imaginário popular. Ainda mais com a presença de grandes inimigos: os políticos, os estrangeiros… São eles, os outros, contra nós. E, por identidade reativa, passo a detestar o outro sem conhecê-lo. E tudo isso vai por uma linha de raciocínio que reduz quem não concorda com ela a pessoas sacanas ou ignorantes.

Tenho muita vontade de bater a minha grande cabeça na parede nessas horas.

Não, não fico deprimido com leitores reacionários. É importante ter posicionamento e faz parte do diálogo público uma disputa de opiniões saudável. Fico possesso com leitor que repete o discurso alheio sem botar o Tico e o Teco para fazer um mínimo esforço antes de reproduzir barbaridades.

Ainda mais em época de eleição. Independentemente do credo ou do posicionamento político.

Pois, mais importante que tudo o que ele aprendeu e ouviu, mais relevante que fatos, são argumentos trazidos pelos novos oráculos como o YouTube e o Google. O que está lá é a Verdade. Afinal, milhões de pageviews não podem estar errado, não é mesmo?

A construção do que seja a realidade está mudando com a popularização da internet. É salutar que o porquê das coisas seja questionado à exaustão a fim de que a versão dos fatos não seja apenas a dos vencedores, como tem sido a História até aqui.

Mas se, muitas vezes, aceitamos os discursos oficiais bovinamente, também fazemos isso com teorias estapafúrdias.

Na dúvida, cheque com outras fontes, verifique a informação. Não seja preguiçoso. Caso contrário vamos criar uma geração de idiotas que acreditam em qualquer vídeo picareta ou em informações bombásticas em sites bonitinhos, mas tão profundos quanto alguns programas de apresentadores que gritam na TV.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.