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Leonardo Sakamoto

Presidenciáveis continuam achando que os jovens são um iogurte

Leonardo Sakamoto

02/09/2014 09h28

Um iogurte. É assim que o candidatos à Presidência da República tratam as manifestações de junho do ano passado na maior parte do tempo.

Eles inserem o iogurte em seus discursos, reforçam sua importância, prometem tudo em nome dele e terminam afirmando que irão honrar o iogurte e o que ele representa.

Porém, no primeiro debate transmitido à luz do dia, no momento ideal para a molecada do iogurte ver, ela foi solenemente ignorada.

Era horário de Chaves. De Malhação. Algum estrategista de campanha poderia ter sugerido intervenções mirando esse público, tanto em forma quanto em conteúdo. Mas preferiram – na maior parte do tempo – continuar adotando as fórmulas de sempre.

Legalização da maconha foi colocada à mesa por um candidato, mas ficou por aí. Fala-se de mobilidade urbana, mas não de bicicletas. De reforma política, mas não como ela vai tornar a participação mais atraente. De educação como algo genérico, passando ao longe da angústia dos mais jovens ao perceber que mesmo a melhor educação dos melhores colégios não dá conta desse mundo novo que já chegou.

Isso pode até agradar jornalistas e analistas de política, mas não constrói algo novo.

Com exceção da juventude engajada, principalmente aquela ligada a partidos, que topa assistir a longos discursos, tipo Fidel, sem piscar e, ao final, tem um orgasmo, a maioria da molecada não tem paciência para ver o debate modorrento, nonsense (em que se pergunta de saneamento e responde-se sobre a castidade da família), hipercodificado e – principalmente – alheio às suas aspirações, suas dúvidas e seus medos.

Esses jovens que foram às ruas estão presentes nos debates como um iogurte, ou seja, uma mercadoria. E essa mercadoria é usada para agregar valor ao camarote dos candidatos. Então, dá-lhe falar dela! Mas, em raríssimas exceções, busca-se falar para ela.

Até porque, em grande parte das vezes, candidatos falam do povo do iogurte, mas não sabem nem o gosto dele.

Tanto que a melhor resposta do povo do iogurte continua sendo o sarcasmo via redes sociais.

Pois, como disse uma amiga jornalista, este país está cheio de gênios. Mas eles estão, por enquanto, produzindo as bobagens engraçadas para a internet.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.