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Leonardo Sakamoto

Se vivesse hoje, Jesus poderia ser gay. E levaria porrada em nome de Deus

Leonardo Sakamoto

11/09/2014 17h04

Relendo as pesquisas de opinião sobre temas considerados polêmicos antes e depois de eleições passadas, é possível perceber uma diminuição no apoio popular à efetivação de determinados direitos por conta de discursos contrários utilizados nas campanhas contra eles. O direito ao aborto é um exemplo disso na eleição de 2010, quando mais parecia que estávamos elegendo uma madre superiora ou um papa do que alguém para ocupar a Presidência.

A verdade é que eleições são um péssimo período para se conseguir a efetivação de vários direitos. Pois o debate raso nivela tudo por baixo.

Aliás, tenho certeza de que há uma relação entre o acirramento de ânimos durante o período eleitoral, a incapacidade de diálogo fomentado pela política rasteira, o aprofundamento do discurso intolerante e desumanizador (que mata a capacidade de se reconhecer no outro) e o aumento no número de casos de violência contra algumas parcelas da sociedade.

A minha timeline está abarrotada de histórias suspeitas e comprovadas de terem relação com homofobia e transfobia – justo no momento em que determinados grupos religiosos reafirmam posicionamentos de ode ao preconceito com o objetivo de pautar as eleições.

O mais intrigante é que tenho a certeza de que se Jesus de Nazaré, o personagem histórico, vivesse hoje, defendendo a mesma ideia central presente nas escrituras sagradas do cristianismo (e que, por ser tão simples, não é seguida por muitos cristãos) e andando ao lado dos mesmos párias com os quais andou, seria humilhado, xingado, surrado, queimado, alfinetado e explodido.

Tachado de defensor de mendigo e de sem-teto vagabundo.

Olhado como subversivo, alcunhado como agressor da família e dos bons costumes.

Violentado e estuprado.

Rechaçado na propaganda eleitoral obrigatória em rádio e TV.

Transpondo para os dias de hoje, talvez Jesus fosse mulher e transexual.

E levaria porrada daqueles que se sentem os ungidos pelo divino. Feito os sacerdotes do Templo.

Supostos representantes dos interesses do sobrenatural na Terra que afirmam lutar pelo direito de expressarem suas crenças.

Mas que droga de crença é essa que diz que A é pior que B, gerando ódio sobre o primeiro, só porque A curte alguém do mesmo sexo?

Candidatos a cargos públicos, de governo ou oposição, que bradam, indignados, mediante a tentativa de aprovação da lei que criminaliza a homofobia. Ou frente ao risco dessa discussão entrar nas salas de aula e tornar os jovens mais abertos às diferenças.

A verdade é que deveriam ser responsabilizados em atos de homofobia não apenas os diretamente envolvidos, mas também suas fontes de inspiração.

Antes de 5 de outubro, recomendaria a você pesquisar com muita atenção para saber se não estará endossando, através do seu voto, os profetas que crucificam inocentes por temê-los e o povaréu, que faz o mesmo simplesmente por não entendê-los.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.