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Leonardo Sakamoto

Eleições: Então as manifestações não serviram para nada?

Leonardo Sakamoto

04/10/2014 13h46

Determinados grupos políticos tentaram pegar carona nas manifestações que tomaram conta do país no ano passado, buscando atribuir a elas um outro significado a fim de poder garantir um rumo para si mesmos.

As oposições, por exemplo, utilizaram a memória das manifestações para tentar desidratar os grupos que estão no poder, visando às eleições deste domingo (5). Até porque partidos não conseguem convocar grandes manifestações por conta própria. Pelo menos, não mais.

Ao mesmo tempo, parte dos que apoiam os grupos no poder parecem esquecer o que significa a palavra "disputa política" e, tomados por pânico, viram golpe em cada rapaz ou moça carregando um cartaz de crítica ao governo.

Enfim, o problema é que as pessoas que gostam de política – da política tradicional e da que se diz "nova política" – se amam demais.

As críticas nas jornadas de junho de 2013 não foram contra um partido X ou Y, mas visando a instituições tradicionais que representam autoridade. Os repórteres da Globo, que tem um peso gigante em nossa construção simbólica, para mal e para bem, não estavam conseguindo nem usar o prisma com a marca da emissora na cobertura. Caco Barcellos, que fez muito por nosso jornalismo e pela efetivação dos direitos humanos, por exemplo, ironicamente foi alvo da fúria incontrolável de manifestantes (sic) na Praça da Sé, tendo que se refugiar em uma padaria. Que dirá então os políticos que, ao invés desse currículo, têm uma extensa capivara?

Houve debates acalorados, que diziam que uma revolução estava em curso e iria transformar radicalmente as estruturas nas eleições de 2014.

Bobagem. Passado o momento de comoção e com o assentamento dos ânimos, Geraldo Alckmin está à frente da disputa em São Paulo, Luiz Fernando Pezão (herdeiro de Cabral), no Rio de Janeiro, e Dilma Rousseff, para o Palácio do Planalto. Independentemente do que aconteça daqui para frente, esse quadro já é significativo.

Isso prova que aquele mar de gente indo à rua em junho de 2013, pedindo mudanças, foi um fracasso? De maneira alguma. Mostra apenas que temos analistas da realidade que cravam prognósticos ruins com cara de profecias, mas não conseguem pensar para além do horizonte visível, muito menos entender o que a História tem a nos ensinar. Como, por exemplo, que uma mudança estrutural e profunda na sociedade não acontece de um dia para a noite. E que aqueles jovens não pediam um novo governo, mas algo mais profundo que isso.

Para mim, a beleza das manifestações e seu principal legado estava nelas próprias, ou seja, a redescoberta por parte de jovens das grandes cidades do espaço público como local central da política e a possibilidade real de influenciar nos destinos da pólis através da mobilização. Um momento em que se externou, de forma catártica, medos e insatisfações quanto ao país e ao futuro, mas sem saber ao certo que rumo tomar. E por que deveriam saber? Eles estão apenas começando a caminhada. Sem contar, é claro, a razão inicial dos protestos: a questão da mobilidade urbana, que viu uma expressiva vitória com a redução da tarifa e cresceu de importância entre as pautas públicas.

Ao mesmo tempo, uma palavra que terá que ser devidamente estudada após as eleições é "conservadorismo", em seu sentido de manutenção. Esse conservadorismo não é necessariamente fruto da reflexão, mas incutido ou derivado do medo de perder o pouco que se conseguiu e se tornar um nada. Vale lembrar que tanto PT quanto PSDB ajudaram a fomentar a percepção de que o caminho para a cidadania é o consumo. E as pessoas aprenderam isso.

Desde o início do período eleitoral, acirraram-se discussões entre pessoas que repetem ideias sem refletir o que elas realmente significam. Que acham normal falar dessa forma porque na internet (onde ninguém se machuca fisicamente), é assim que funciona. Porque, para eles, a democracia não é a vontade da maioria com proteção das minorias, mas o regime em que, quem grita e xinga mais, leva.

Como pano de fundo, um vazio imenso, ora preenchido pelos discursos simples e confortáveis empacotados pela família, igreja, escola, mídia, ora preenchido pelo consumo. Discursos que esvaziam ainda mais ao invés de alimentar. Discursos que permearam, até agora, a disputa presidencial e nos Estados.

No meio de tudo isso, um mar de jovens, plural, diverso, díspare. Dos filhos do neoliberalismo-branco-São-Paulo-é-o-meu-país até a molecada da periferia, que está descobrindo pelo computador que o mundo é grande, mas não é deles. Que hora se agarram a uma bóia aqui, ora tentar dar braçadas para sair da tormenta ali.

Diante disso, uma humilde sugestão. Quem não virar as costas para esses jovens precariamente formados e porcamente informados, mas com uma vontade louca de falar, fazer e acontecer, que apareceram nas ruas em junho e, hoje, gritam e xingam mais perdidos do que nunca em redes sociais, terá mais chances de ver a sua narrativa respeitada nesse admirável (e assustador) mundo novo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.