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Leonardo Sakamoto

Governador, é hora de colocar o blindado antimanifestante na rua

Leonardo Sakamoto

18/10/2014 10h06

Esta sexta (18) foi o dia mais quente da cidade de São Paulo desde que a medição começou em 1943.

No pico desse momento glorioso, às 14h, ao invés de me refugiar em alguma catacumba úmida e fresca (tipo, um shopping) tive a ideia de jerico de ir, completamente gripado, de bicicleta a uma reunião.

De bicicleta. Com a garganta inflamada. Com o termostato da cidade regulado para a posição "Gratinar os Amantes de Automóveis Lentamente". Um idiota…

Enquanto pedalava no inferno, fiquei com aquela saudade louca dos banhos de mangueira da infância – transformados em crime de lesa-pátria quando o reservatório da Cantareira se tornou figurante de Walking Dead.

Num ato populista, eu puxava a mangueira da garagem da casa de meus pais para o meio da rua, lá no Campo Limpo, a fim de regar a galera. Quem não se lembra do cheiro reconfortante da água que evapora quase que instantaneamente ao tocar o asfalto escaldante?

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Melado de suor e quase vendendo o que ainda não foi negociado da minha alma para o diabo em troca de chuva, cheguei à conclusão de que é isso que nosso povo sofrido precisa: um grande banho de mangueira.

Daí me lembrei do Blindado Antimanifestante Paulista.

blindados

O governo de São Paulo estava planejando comprar 14 dessas belezinhas para cá para o controle de manifestações. Munidos com um canhão de água com capacidade para atingir pessoas a até 60 metros de distância, são o que há de melhor para homenagear a democracia.

Façamos um cálculo: com exceção do que ocorre em atos sexuais coletivos, o máximo de pessoas que cabem em um metro quadrado são sete. Mas essa aglomeração só ocorre em situações de confinamento e desespero, como os vagões do metrô e dos trens de São Paulo em horário de pico. Em manifestações, a média é de duas pessoas por metro quadrado segundo institutos de pesquisa. Um círculo com 60 metros de raio tem área de 11.309 metros quadrados, portanto, cabem nele 22.618 pessoas.

O que em termos de diversão significa uma micareta.

Se Pamplona, na Espanha, tem as Festas de São Firmino, com suas corridas de touros (deixando claro que eu torço para o touro).

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Se Buñol, também na Espanha, tem a Tomatina, com o arremesso de tomates.

tomatina

Se o Holi, ou Festival das Cores, é realizado na Índia e em uma série de países, com uma profusão de tinta.

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Por que não podemos ter em São Paulo a Festa da Água? Afinal, ela já acontece na Turquia, Grécia, Tailândia e em uma série de outros lugares nos quais a polícia também respeita a dignidade do cidadão que resolve protestar.

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Bora organizar um ato e colocar o Blindado Antimanifestante Paulista, com seu canhão lançador de água, feito trio elétrico no centro da festa! São seis mil litros de água em cada blindado, minha gente, SEIS MIL LITROS!

Imagina só, Ivete e Daniela cantando em cima dele com o povo molhado, em transe. Daí entra Carlinhos Brown, perguntando: "Bebeu água? Não! / Tá com sede? Tô!" O Carnaval que se cuide.

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Tropa de Choque, nuvens de lacrimogênio, cacetete de borracha cruzando os céus feito pomba-rola em revoada. Nada me faria arredar o pé da festa.

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Podíamos organizar o "Primeiro Ato Unificado pelo Calor Extremo, em Prol da Chegada do Blindado Antimanifestante Paulista e Contra o FMI" (para atrair a velha guarda) ou um clichê que cole entre os mais novos nas redes sociais como o "Banhão da Gente Diferenciada".

Se bem que, para transformar isso em evento internacional, acho que deveria ter uma alcunha hype e idiota como "Canta-O-Reira São Paulo Water Festival". Enfim, o importante é levar o povo para a rua e garantir que o blindado esteja lá.

E você que achava que a falta de água em São Paulo causada pela incompetência administrativa era uma coisa ruim.

Sabe de nada, inocente.

São Paulo é só alegria.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.