Há blogueiros e colunistas que são personagens deles próprios
Fui abordado em uma balada de São Paulo por um leitor do blog que ostentava uma cara muito feia. Normalmente, quando isso acontece, faço uma varredura a fim de mapear as saídas de emergência (quando estão em bando) ou tento imaginar o que o senhor Miyagi aconselharia a Daniel-san. Mas contrariando as expectativas, o leitor disse mais ou menos: "Japa, achei que você fosse tão chato que ficasse o dia inteiro trancado, com uma pilha de livros comunistas, e nunca saísse para se divertir".
Não é preciso ser especialista em estudos de recepção na teoria da comunicação para saber que a mensagem é interpretada de forma diferente por pessoas diferentes, por mais que o emissor seja cuidadoso ao divulgá-la. Depende da classe social, profissão, experiências de vida, enfim, de uma pá de coisas.
E, não raro, a mensagem se confunde com o emissor. Daí, o leitor passa a acreditar que a interpretação que ele teve do texto serve para definir a pessoa que a enviou. Como diria o filósofo: loucura, loucura, loucura.
Ou seja, para a parte dos leitores que acha que estou tramando uma revolução comunobolivarianistaveganogayzista, cantarolo a Internacional Socialista enquanto faço cocô, não tomo refrigerantes para não compactuar com o envio de royalties oriundos da exploração socioambiental de nosso patrimônio e não dou risada porque rir é concordar com uma sociedade inserida no modo de produção capitalista, compactuando com os elementos simbólicos que mantém a estrutura hegemônica de dominação contra o proletariado, devo parecer realmente alguém muito chato.
Ainda bem que é uma minoria que não possui bagagem para decodificar a mensagem dessa forma. Ou, pelo menos, assim espero.
É curioso que o causo não ocorre apenas com este que vos rouba tempo precioso, mas está presente com outros blogueiros e colunistas, sejam eles de "direita" ou de "esquerda" – as aspas seguem por falta de conceitos melhores para classificar a rapaziada.
Isso é hipocrisia? De maneira alguma. O objetivo não é necessariamente construir um personagem. Mas a forma como se escolhe para sistematicamente expressar e defender ideias, quando absorvida e interpretada por parte dos leitores, ajuda a inserir o autor em um estereótipo. Que não raro é simplista.
Há pessoas cordiais, simpáticas e amáveis no trato pessoal que constroem personagens duros e que provocam os instintos mais primitivos para seus blogs. Pessoas assim são encontradas em revistas semanais, jornais diários, sites alternativos e até na TV.
No espaço privado, conseguem rir de si mesmos. No ambiente público, vestem as características de seus alter egos e se mostram impávidos e resolutos. Pois cutucar (de forma educada, claro) quem pensa diferente pode ser uma forma de: a) acordar o outro para a discussão; b) reforçar seu argumento; c) gerar identidade reativa com o público que concorda contigo; d) alguém falou em audiência?
Daí vem o leitor miguxo, que acha que descobriu a América e grita "Sakamoto, você faz o mesmo!" Em maior ou menor grau todos nós, que escrevemos diariamente, profissionalmente ou não, já fazemos isso.
Poderia citar nomes de um lado a outro no espectro ideológico que possuem personagens virtuais que não representam a totalidade da complexidade do seu autor ou autora. Se o personagem, seja ele conscientemente erguido ou inconscientemente estruturado, ajuda a passar a mensagem e, ao mesmo tempo, garante-se o cuidado para que simplificações não criem danos à sociedade, não vejo problema.
Há casos que o jornalista percebe que a caricatura serve como sua marca registrada e, tendo consciência de que o seu público se identifica com ela, a abraça. Como era com o finado Paulo Francis e como acontece, hoje, com muitos colunistas vistos como "exagerados".
Porém, há uma categoria de blogueiros e colunistas que são personagens deles próprios. Rasos, simplistas e violentos, fogem da complexidade, pluralidade e contraditoriedade inerentes ao ser humano, tanto em sua vida profissional como no trato pessoal. Ignoram regras mínimas de convivência com o outro. Acham que a boa crítica é aquela que, ao final, extermina a diferença. São apenas aquilo que escrevem, nada mais. O pior: não percebem isso porque a reflexão e a autocrítica passam longe.
É triste, eu sei.
Mas, como diria a mãe de um amigo, sempre há pé cansado para chinelo velho. E chinelo velho, como a ignorância, pode ser muito confortável.
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