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Leonardo Sakamoto

Que tal decidir o teto salarial do funcionalismo por votação pública?

Leonardo Sakamoto

29/11/2014 16h52

Quando criança, adorava enfileirar pecinhas de dominó uma atrás da outra e, depois, com um peteleco, vê-las tombar uma a uma. Daí a gente cresce e percebe que o efeito dominó muitas vezes é desesperador porque, depois que começa, torna-se incontrolável. Como o reajuste salarial dos três poderes.

O aumento na remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (que deve ir para R$ 35,9 mil) é a primeira peça a tombar. Como este é (em tese) o teto salarial do funcionalismo público, o restante do sistema vai a reboque. Daí vêm os 594 integrantes do Congresso Nacional, as cúpulas do Poder Executivo Federal e do Ministério Público, a chefia dos Estados e dos Municípios, e consequentemente todas as suas equipes. Enfim, não sobra peça em pé.

E se o teto dos salários do serviço público fosse definido por plebiscito? Eu já propus isso no blog há alguns anos, mas achei pertinente retomar a discussão. Dessa forma, as cúpulas talvez recebessem aumentos menores. E a base, com salários defasados e não raro maltrada, como professores, talvez ganhassem mais.

Deputados, senadores, juízes, desembargadores, governadores, prefeitos e presidentes precisam ganhar o suficiente para desempenhar com dignidade o cargo para o qual foram eleitos. E só. Se quiserem acumular para si e para os seus que se dirijam para a iniciativa privada.

Sabe o que me deixa tiririca da vida? Aumento salarial feito a toque de caixa no final do ano. A mesma celeridade não é usada para discutir ou julgar certos temas. Se pelo menos tivessem o mesmo empenho que têm por si, pelos amigos ou por seu pequeno grupo social, poderíamos dizer: "ah, todos eles ganham, mas trabalham para a sociedade em geral".

Por exemplo, o Congresso Nacional tem repousado suas gentis nádegas em cima de projetos de leis que ajudariam a libertar e dar dignidade a muita gente. Demagogia? Pode ser. Mas a deles é maior. O fato é que boa parte da elite do poder público está nua, aliás, sempre esteve. E aí tem gente que reclama, outros batem palmas mas, no final, o que é imperdível mesmo é saber quem vai morrer na novela das nove.

Plebiscito é uma ferramenta legal. Desde que usada em prol da dignidade e não contra ela. Ou seja, desde que usada com parcimônia. Porque, em uma democracia de verdade, é respeitada a vontade da maioria, preservando-se a dignidade das minorias. Ou seja, adotar simplesmente o que a massa quer não significa viver em um país decente. Seja pelo conservadorismo da população, seja pelo fato de que, quanto mais hipercodificado permanecer o assunto em uma votação, mais fácil é manipular o cidadão.

Se nos orientássemos pela vontade da maioria, gays e lésbicas nunca teriam conquistado o direito a se unir. Jovens com 16 e até 14 anos seriam mandados para a cadeia ao cometer crime. E, dependendo da pesquisa de opinião, nem o direito ao aborto legal, em caso de risco de vida da mãe ou estupro, existiria.

Ao mesmo tempo, os contrários à ampliação do direito ao aborto e à legalização da eutanásia são os primeiros a querer levar essas pautas a plebiscito. Sabem que nossa sociedade gosta de tiranizar o útero alheio e que sofrimento no olhos dos outros é refresco e que, portanto, seriam maioria.

Por fim, o uso do plebiscito também demanda um trabalho prévio de conscientização, em que o cidadão saiba realmente o que está sendo decidido e as implicações de sua decisão. E nem sempre uma curta campanha de informação é suficiente para explicar todas facetas de determinado assunto polêmico.

Dito isso:

Você é a favor de que o teto salarial do funcionalismo público brasileiro suba para R$ 35,9 mil?

Mas também e por que não:

Você é favor que o teto do salário de um vereador seja o mesmo que de um professor da rede pública?

Você é a favor de mudanças na lei para impedir a reintegração de posse de terrenos ocupados por famílias que não possuem absolutamente nada sem que, antes, seja garantida uma alternativa de moradia decente a elas?

Você é a favor do fim da cela especial para quem tem curso superior?

Você é a favor de que propriedades rurais que, ilegalmente, ocupam territórios indígenas sejam devolvidas aos povos que as reivindicam?

Você concorda que fazendas e imóveis que sejam palco de trabalho escravo sejam confiscados sem direito à indenização e destinadas aos mais pobres?

Você é a favor de que juízes sejam expulsos do serviço público, perdendo o direito aos seus vencimentos, em vez de receberem aposentadoria compulsória quando punidos por algum malfeito?

Você é a favor do fechamento das empresas que foram envolvidas por seus diretores em casos de corrupção?

Você é a favor da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de remuneração?

Você é a favor de sobretaxar grandes fortunas?

Você é a favor da desmilitarização da polícia no Brasil?

Você é favor de fazermos de conta que Roberto Bolaños não morreu e aprovarmos uma lei proibindo-o de fazer tal coisa?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.