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Leonardo Sakamoto

Glória a Deus nas alturas! E paz na Terra a quem não pirateia musiquinha

Leonardo Sakamoto

02/12/2014 11h49

Vai chegando o Natal, data em que celebramos o nascimento do Consumidor, e com ele retornam as reportagens sobre pirataria na TV.

O que prova de forma cabal o quanto o lobby de grandes empresas de software, música e brinquedos tem poder.

De tanto ouvir e ver propagandas em rádios, TVs e cinemas que me fazem sentir um pedaço de titica, um desgraçado financiador do tráfico de drogas, de armas e de seres humanos, responsável pelo desemprego e pela fome no mundo por não me atentar à pirataria de produtos que compro ou dos arquivos que baixo, decidi me rebelar.

Parafraseando John Cusack, em Alta Fidelidade, baixarei músicas a fim de produzir coletâneas-presentes aos amigos neste Natal. Serei eu, através desse ato tresloucado, e não o Napster, o Torrent e o 4Shared o responsável por quebrar a indústria fonográfica.

É imoral. Mas comprar de quem escraviza e desmata para a produção de matéria-prima para a tecnologia de ponta não?

A resposta sobre o porquê de o mundo punir quem baixa uma musiquinha e sorrir para quem se beneficia da escravização de uma mina de metais raros na África reside no fato de que, historicamente, as leis criadas para proteger a propriedade e o lucro são mais severas e efetivas do que as que foram implantadas para defender a vida e a dignidade.

Como já disse aqui antes, se as indústrias da informação e do entretenimento não podem comprovar para o consumidor comum de que o seu processo de produção é social e ambientalmente responsável, como é que eles vão exigir a mesma responsabilidade de nós?

E ser responsável não é fazer assistencialismo digital e caridade 2.0. Não significa doar computadores para orfanatos, informatizar ONGs ou ser simpático ao distribuir softwares gratuitamente a instituições de ensino (há várias formas de viciar uma criança, sabia?). Mas evitar que o seu processo de produção atente contra a dignidade.

Topo pagar a mais por um produto feito de forma justa. O que não topo é endeusar uma industria que se veste de moderna mas se beneficia do anacronismo.

Apologia ao crime? Não.

Mas a verdade é que quebrar regras a fim de dificultar a vida de empresas que dizem que geram empregos mas se beneficiam com a exploração direta ou indireta do alheio significa crime para uns.

E resistência para outros.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.