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Leonardo Sakamoto

Aumento das tarifas em SP: Haddad, Alckmin e a sensação de déjà vu

Leonardo Sakamoto

29/12/2014 11h20

Talvez fosse por algo que colocaram no meu chazinho, talvez pelo cansaço de fim de ano, talvez pela nuvem de poluição tóxica na qual nós paulistanos estamos imersos em boa parte do ano por nossa relação orgásmica com automóveis.

Mas quando li que Fernando Haddad e Geraldo Alckmin pretendem aumentar o valor da passagem de ônibus, metrô e trens em São Paulo, neste início de ano, meus olhos turvaram. Entrei em êxtase! Tive uma visão.

De repente estava preso a um loop temporal, em um dia que sempre recomeçava ao final de si mesmo, me obrigando a viver tudo de novo, como o grande Bill Murray, em O Feitiço do Tempo. O Dia da Marmota, lembram?

Fui transportado para a reunião do Conselho da Cidade de São Paulo, em 18 de junho de 2013, com Haddad se negando a voltar atrás no aumento das passagens de R$ 3,00 para R$ 3,20, apesar dos reiterados pedidos dos conselheiros. E, à noite, a cidade convulsionada de jovens reivindicando isso, trazendo junto uma série de outras pautas. De repente, quando um maluco quebrou vidraças da prefeitura, tudo ficava branco, o dia dava reestartava e toda essa comédia de erros e análise errada de conjuntura se repetia.

Voltei a mim, de repente (nota mental: comprar mais desse chá), a tempo de escrever esse texto.

A Prefeitura vai universalizar a isenção de tarifas para estudantes de escolas públicas, participantes do Prouni ou do Fies. Também não deve aumentar a passagem para quem usa bilhete único diário, semanal e mensal. Diz que o aumento vai afetar uma pequena parcela dos passageiros. O governo estadual afirmou que irá propor à Assembleia Legislativa tarifa zero, incluindo também ônibus da EMTU, para o mesmo grupo, além de estudantes de instituições privadas com renda mensal per capita de até R$ 1550,00. Tanto Estado como Prefeitura afirmam que os reajustes serão os menores possíveis.

Parece que o poder público não aprendeu nada com a experiência dos protestos de junho do ano passado. Ou seja, tomar essas decisões, que afetam o direito humano à mobilidade, sem um amplo diálogo com a sociedade. Talvez conte com os meses de férias escolares para diminuir a mobilização. Talvez conte com o pasmo, o pavor e a indignação dos movimentos sociais diante daquele "ministério" (sic) montado por Dilma Rousseff.

A própria administração Haddad realizou uma auditoria com a Ernst&Young que apontou que o montante pago às empresas de transporte poderia ser menor porque elas não cumpririam os contratos. Os dados devem (em tese) guiar os novos editais a serem lançados para redefinir o transporte público no município. Mas, até lá, o cidadão não deveria ser penalizado por conta disso.

Ao mesmo tempo, a Polícia Federal indiciou 33 pessoas, incluindo o presidente e o diretor de operações da CPTM, na investigação do cartel do setor metroferroviário que operou em São Paulo – coisa bizarra como o escândalo federal na Petrobras.

Portanto, o debate está invertido: não é que as passagens estão defasadas. O preço da tarifa já é muito cara e parte disso é responsabilidade do poder público.

Reconhece-se o inegável avanço na criação das faixas exclusivas de ônibus (que aumento sua velocidade) e ciclovias (que dão uma lufada de civilidade por aqui) realizadas pela prefeitura. E mesmo a expansão do sistema de trens pelo governo do estado.

Mas esta não é uma discussão técnica e sim política. O transporte individual motorizado, que polui e engasga a mobilidade urbana, cria problemas para a saúde dos moradores da metrópole parece ser mantido como prioridade quando a tarifa do transporte público e coletivo ganha 50 centavos.

O Movimento Passe Livre já marcou um primeiro protesto para o dia 9 de janeiro, em frente ao Teatro Municipal. Não acredito que as manifestações de rua de 2015 tenham o tamanho das de 2013, exatamente porque essas foram catarses em que muita coisa saiu do armário. Seria necessários tantos elementos juntos para reunir aquelas massas novamente que isso não ocorre toda hora.

Porém, os protestos, independente do tamanho, e – principalmente – o sentimento de estar sendo tungado cada vez que se passar por uma catraca devem ser creditados na conta de Haddad e Alckmin e da falta de visão de política de ambos. Esse é o tipo de coisa que cobra seu preço no médio prazo.

Se aprendéssemos com nossos erros, saberíamos disso. Mas vivemos um único dia, que nunca termina.

Atualizado às 23h, do dia 29/12/2014, para a inclusão de informações.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.