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Leonardo Sakamoto

Dia da Água: tomar banho curto é importante, mas não resolve

Leonardo Sakamoto

22/03/2015 10h12

Acho ótimo que pessoas e empresas estejam engajadas para o Dia Mundial da Água, que se comemora neste domingo (22). Mas para essa onda não ser apenas mais uma campanha de marketing no Calendário Anual da Lavagem de Marcas, ela precisa ter substância.

Até porque água é um bem escasso e não pode ficar sendo usado para tentar retirar manchas nos negócios que só serão efetivamente removidas com ações reais que mudem a forma com a qual se ganha dinheiro – e não apenas perfume de lavanda a titica.

E não é apenas o uso racional do que se retira do meio ambiente, pois água não serve só para cozinhar, tomar banho ou fazer refrigerante.

O lençol freático de muitas localidades produtoras de frutas no Brasil está cada vez mais baixo por conta do bombeamento de água par a irrigação, por exemplo. Em outros locais, há brigas antigas com fábricas de bebidas por conta dos baixos valores pagos para a utilização do recurso. Há ainda a situação de projetos de irrigação de pequenos proprietários que estão parados porque ninguém tem grana para pagar a conta da água no final do mês. Mundo maluco? Nada, faz sentido – a gente é que não percebe.

E olha que nem entramos na discussão da falta de água para consumo humano e para gerar energia causadas pela falta de planejamento e a arrogância diante das mudanças climáticas.

Mas pensar racionalmente a água também passa por racionalizar a construção de grandes hidrelétricas, que afogarão comunidades ribeirinhas ou indígenas em algum lugar ou maltratarão trabalhadores nos canteiros de obras, em detrimento a apostar em formas mais limpas de produzir energia – que hoje são caras por falta de investimento.

Ou a contaminação de rios, córregos e lençóis freáticos com agrotóxicos, um problema lento, que vai se acumulando com o tempo de forma silenciosa e discreta.

Muito tempo atrás, durante o começo das brigas do amianto (que causou muitas mortes e invalidou muita gente ao redor do mundo), um advogado que defendia o interesses dos trabalhadores trouxe um pedaço do produto para ser mostrado em uma audiência judicial com os que defendiam as empresas. O amianto circulou na mesa. Do lado corporativo, que defendia que o produto era inofensivo como uma bola de gude, ninguém quis tocá-lo…

Quando a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos produtores e do mercado alega que vetos causarão aumento de custos. Entendo o lado deles, mas aceitar algo que não está de acordo com os padrões mínimos internacionais é uma bomba-relógio que vai explodir em algum momento, em algum lugar e em alguém. Em pontos de recarga do Aquífero Guarani, aquele conjunto de reservatórios subterrâneos no Centro-Sul do Brasil e Mercosul do tamanho de um mar, já se constata contaminação e em áreas de atividade intensiva de químicos na agricultura.

Ou, por outra, o padrão é o mesmo do amianto: se o problema está longe, ele é um não-problema. Não sou eu que vou manusear os pesticidas mesmo, não sou eu que vou ter minha casa inundada por uma hidrelétrica e nunca ser ressarcido, não sou eu que vou ser acusado de não cuidar da cadeia produtiva da água. Na melhor linha, do "só é errado se te descobrem".

Ninguém considera que quando demando um produto, mesmo que não traga água em sua fórmula, sou responsável pela forma como ele foi feito – incluindo a água usada em sua fabricação. Portanto, tenho que participar da melhoria de sua cadeia.

Banho curto, não lavar a calçada com a mangueira, usar sistemas de descarga mais inteligentes são importantes. Mas perfazem apenas a ponta do iceberg. A capacidade do consumidor de monitorar e cobrar as empresas que criam os mais diferentes impactos na água do planeta, impactos que, às vezes, não estão à mostra, pode fazer uma diferença gritante no final das contas.

Pois a vida se conecta pela água – mas também pode ser por ela destruída.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.