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Leonardo Sakamoto

Os deputados deram uma banana (transgênica) para os consumidores

Leonardo Sakamoto

29/04/2015 15h31

A Câmara dos Deputados (ela de novo, sempre ela…) pariu, nesta terça (28), mais uma jiboia. Aprovou um projeto que acaba com a exigência de que produtos para consumo humano com até 1% de transgênicos em sua composição informem isso ao público.

A lei 11.105/05 obrigava a todos os produtos que contivessem transgênicos trouxessem a informação. Com a aprovação do projeto do ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que segue agora para análise do Senado, isso vale só para o que tiver mais de 1% na composição.

O problema é que como a indústria usa milho e soja aos montes, boa parte dos alimentos industrializados usam esses grãos como matéria-prima. E como produtos não transgênicos são mais caros, porque produzidos em menor quantidade, a indústria vai usar o mais barato e fica por isso mesmo.

Ou seja, a chance agora de você consumir transgênicos sem saber é grande.

Além disso, o símbolo de produto com organismo geneticamente modificado – um triângulo com um "T" dentro – vai ser trocado pela frase "contém transgênico". Mas não diz onde ela deve ficar.

Ou seja, pode ficar naquela letrinha ridicularmente miúda, impossível de ser lida por quem tem mais 0,25 grau de miopia.

Ah, japa, mas eu não m importo. Li muita coisa e acho que minha saúde não corre risco." OK, respeito sua opinião. Mas você não acha que as pessoas deveriam ter a liberdade de escolha respeitada?

Parte das empresas do agronegócio, indústria e agências de publicidade afirma que toda essa movimentação é um atentado à liberdade de expressão.

Mas, ao usar essa justificativa, o que elas acabam defendendo é o seu direito de ficar em silêncio para não se complicar diante à sociedade.

Você acha que tem opção. Mas o que se convencionou chamar de liberdade para consumir é um processo com uma gama muito estreita de opções.

A informação de que existe um mundo lá fora que vá além de esponjas de queijo e ácido carbônico preto é pouco difundida pelos veículos de comunicação. E, quando difundida, ela é inigualavelmente mais chata que os anúncios.

Afinal de contas, uma campanha na TV para dizer "escolha bem, de forma saudável e responsável" é muito mais chata do que uma peça publicitária usando o Ben 10 ou qualquer coisa que salte do Playstation, piscando na tela tão rápido que, se não convencer a consumir, pode causar um ataque epilético igual àqueles em que o Pikachu "fritou" a audiência nipônica.

Isso sem falar que furar a "liberdade assistida" tem um custo alto, que a maioria dos brasileiros não pode pagar. Tanto o consumo saudável quanto o consumo consciente são atividades censitárias em uma cidade como São Paulo.

Ou seja, é – em grande parte das vezes – para quem tem dinheiro para fazer uma escolha e pagar mais pelo melhor (se for tomate sem agrotóxico e biscoito livre de transgênicos, então…) ou tempo para preparar algo não-industrializado. E, portanto, mais dinheiro disponível.

Apenas com muita dificuldade somos capazes de aprovar regras para anúncios publicitários de produtos gordurosos ou com muito açúcar ou sal. E olha que não estamos falando de proibição, mas sim de informação – coisa que deveria ser fornecida abertamente. Afinal de contas, o consumo em excesso de certos alimentos pode trazer riscos à saúde.

Regras assim não agradam quem ganha com refrigerantes, sucos concentrados, salgadinhos, biscoitos e de bebidas com muita cafeína…

O problema é que essa omissão de informações acaba sendo um atentado contra a liberdade de escolha: como é possível decidir se não há informação suficiente para isso nos rótulos dos produtos?

Atentado à liberdade de expressão fazem eles com esse comportamento.

Vivemos um capitalismo de mentira no qual não querem nos dar todas as informações para tomarmos a melhor decisão.

Pois apesar de haver dúvidas sobre os transgênicos para a saúde do consumidor e certezas sobre seu impacto ao meio ambiente, não se está proibindo nada, apenas exigindo que seja informado se esse tipo de produto foi usado.

Ter informação é fundamental para poder exercer a cidadania. Afinal de contas, comprar é um ato político, pois ao adquirir um produto você dá seu voto para a forma através da qual uma mercadoria foi fabricada e mesmo o que ela representa.

Seria importante, por exemplo, que toda a carne viesse com informações sobre sua fazenda de origem. Dessa forma, o consumidor poderia decidir se vai considerar apenas os fatores preço e qualidade na hora da compra ou se elementos como desmatamento, trabalho escravo, ocupação ilegal de territórios indígenas também influenciariam. Quanto mais informação tivermos, mais livres seremos para tomar uma decisão.

E, com isso, os parlamentares reafirmam um antigo mantra: garantir o liberdade de acesso à informação aos operadores do mercado é sagrado; garantir o mesmo para que o cidadão comum possa tomar decisões é coisa do diabo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.