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Leonardo Sakamoto

Leitores pedem volta da monarquia. E eu, para legalizar a maconha. Urgente

Leonardo Sakamoto

03/05/2015 21h06

Leitores monarquistas ofendidos (você que acha que vida de jornalista é só glamour não sabe o que somos obrigados a aguentar) me enviaram mensagens reclamando do meu preconceito contra reis e rainhas e que o Brasil estaria muito melhor se tivesse uma chefia de Estado vitalícia e hereditária para deixar tudo mais "estável" e "moderado".

Sim, o pessoal anda faltando às aulas de história. E usando drogas pesadas. E depois reclamam da legalização da maconha. Legaliza já! Talvez o povo, mais calmo, pense antes de escrever.

Eu até toparia. Mas só se for para ter como soberanos pessoas como Pedro Casaldáliga ou José Mujica (não me importo em ser anexado pelo Uruguai se valerem as leis de lá). O problema é que ambos, uma vez entronados, adotariam como primeiro ato a proclamação da República.

Um jornalista, cujo nome à memória me escapa, disse que a principal função da maior parte das monarquias europeias, nos dias de hoje, é pão e circo. Ou, mais precisamente no caso inglês, gerar conteúdo para vender tabloides e girar a economia. Porque a princesa recém-nascida é, mais do que um símbolo, um bom negócio.

É claro que há razões para a manutenção de um chefe de Estado vitalício ou mesmo hereditário com mínimos poderes em um governo parlamentarista.

E, de todas as justificativas, o custo de mudança do sistema talvez seja uma das conhecidas. Alterar um "time que está ganhando", se há estabilidade no atual modelo, é interessante? Os ganhos políticos e econômicos da mudança do sistema são maiores do que pagar imposto às majestades?

Particularmente, acho qualquer monarquia em um Estado moderno algo bizarro. Como o dente do siso.

E não estou falando das absolutistas. Nesses casos, o remédio é uma boa revolução popular – desde que não implantada uma ditadura no lugar, é claro.

Mas, não vou negar, fico com certa pena dos colegas de profissão obrigados a fazer para cumprir pautas relacionadas às coroas. Por exemplo, falar do costureiro que produziu a rendinha do enfeite da fralda da bisneta da Beth, a Segunda.

O que me lembra que, vira e mexe, páginas, minutos e bytes são dedicados ao que pensam e como vivem os herdeiros dos Orleans e Bragança, nossa casa imperial.

Leitores, inclusive, já sugeriram – em nome do luxo e da glória – um novo plebiscito pela volta da monarquia ao Brasil. ‎"Se a gente fosse primeiro mundo, tinha rei e rainha", filosofaram-me na rua algum tempo atrás. Ah, a #zoeiraneverends.

Vox populi, vox dei, em nome da Restauração! Poder moderador é o que liga. Cunha, Renan e Sarney como Regência Trina Temporária. Ou Permanente.

Mas se eu fosse Deus (seu eu fosse?) e pudesse indicar monarcas, colocaria os sobreviventes do Monty Phyton para chefiar o Estado inglês. E o pessoal do Porta dos Fundos para ocupar o Planalto.

Certamente não iriam para um safari na África para caçar elefantes em Botsuana, como fez o então rei Juan Carlos em plena crise econômica espanhola. Ele, que é considerado como peça importante na transição da ditadura para a democracia em seu país, não estava nos seus melhores dias. Abdicou em nome de seu filho. E milhares de espanhóis aproveitam para ocupar as ruas, pedindo a República. Chorei de emoção.

Tenho fé que a história humana, através da ação consciente e cotidiana de seus membros, tratará de dar um jeito na monarquia. Isso se não nos matarmos antes, é claro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.