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Leonardo Sakamoto

O Brasil deveria comercializar o que tem de melhor: o seu povo

Leonardo Sakamoto

16/05/2015 14h06

Ouvi no rádio um moço – que falava muito bonito, diga-se de passagem – defendendo que o Brasil precisa deixar de lado antigos preconceitos e adotar uma economia sem amarras e impedimentos. Uma economia livre, em que qualquer um possa vender sua força de trabalho ou qualquer outra coisa que lhe pertença, do jeito que quiser, sem a tutela do Estado opressor.

E se qualquer parte se sentir prejudicada, que procure a Justiça, oras!

Concordo plenamente.

Vocês querem saber a verdadeira razão do Brasil não ir para frente? Não, não é a desigualdade social, a corrupção, a falta de solidariedade, a concentração de renda e de poder ou os fundamentalismos mil. O motivo é simples: o brasileiro não se vende direito.

Agora que o Congresso Nacional, com o apoio ativo ou a omissão do Executivo, cavalga velozmente o desmantelamento da legislação trabalhista e de proteção aos direitos humanos, podemos sonhar com o dia em que a Lei Áurea será revogada. Então, temos que estar preparados para nos adaptar economicamente a esses excitantes novos tempos.

Trago cinco casos em que o brasileiro soube aproveitar bem o seu valor. Imagine só o quanto o país poderia crescer se deixasse de regular tudo e a interferir na vida das pessoas? Afinal, somos mais de 200 milhões de pessoas. Dá para fazer muito dinheiro com isso.

1) Moradores da periferia de Recife venderam seus rins para transplantes na África do Sul. Ao todo, 38 pernambucanos fizeram "negócio" com a quadrilha até o esquema ser descoberto pela Polícia Federal. Os primeiros receberam R$ 8 mil por cada órgão. Mas a procura para ser "doador" cresceu tanto que os traficantes passaram a pagar só R$ 4 mil.

1) Moradores da periferia de Recife venderam seus rins para transplantes na África do Sul. Ao todo, 38 pernambucanos fizeram "negócio" com a quadrilha até o esquema ser descoberto pela Polícia Federal. Os primeiros receberam R$ 8 mil por cada órgão. Mas a procura para ser "doador" cresceu tanto que os traficantes passaram a pagar só R$ 4 mil.

 

2) Uma mulher abandonou seu bebê de oito meses após não conseguir vendê-lo por R$ 100,00 para comprar crack. O Conselho Tutelar, em Maceió (AL), recebeu a criança e entrou em contato com a família, que também não quis mais a criança.

2) Uma mulher abandonou seu bebê de oito meses após não conseguir vendê-lo por R$ 100,00 para comprar crack. O Conselho Tutelar, em Maceió (AL), recebeu a criança e entrou em contato com a família, que também não a quis mais.

 

3) Em Eldorado dos Carajás (PA), um garimpeiro comentou que o bordel que frequentava só tinha

3) Em Eldorado dos Carajás (PA), um garimpeiro comentou que o bordel que frequentava só tinha "puta com idade de vaca velha". Ou seja, de 12 anos. Para levar, de R$ 20,00 a R$ 40,00. Enquanto isso, em um posto de combustível, entre o Maranhão e o Tocantins, meninas franzinas usavam a voz de criança para oferecer programas. Por menos de R$ 30,00, deixavam a inocência de fora das boléias de caminhão. Entre os dentes, rangiam-se reclamações. Afinal, antes era mais barato.

 

4) Em uma fazenda no Sul do Pará, havia uma espécie de tabela para partes do corpo perdidas no serviço. Um dedo valia X, um braço Y, uma perna Z. Se a pessoa morria, contudo, o valor que a família receberia de indenização era menor que se as partes fossem perdidas uma por vez. Ou seja, o todo valia menos que as partes.

4) Em uma fazenda no Sul do Pará, havia uma espécie de tabela para partes do corpo perdidas no serviço. Um dedo valia X, um braço Y, uma perna Z. Se a pessoa morria, contudo, o valor que a família receberia de indenização era menor que se as partes fossem perdidas uma por vez. Ou seja, o todo valia menos que as partes.

 

5) Antônio foi comprado por um fazendeiro para limpar pasto e ampliar fazenda, derrubando floresta amazônica. Preço: R$ 80,00. Quase um órfão do crack. Mais do que sexo oral com uma menina de 12 anos.

5) Antônio foi comprado por um fazendeiro para limpar pasto e ampliar fazenda, derrubando floresta amazônica. Preço: R$ 80,00. Quase um órfão do crack. Mais do que sexo oral com uma menina de 12 anos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.