Ei, mané, compre-me! Posso te machucar. E, mesmo assim, você vai me amar
Airbags defeituosos de alguns modelos da Toyota e a Nissan podem lançar "pedaços de metal" ao serem acionados, o que levou a um gigante recall que não para de crescer. As peças foram adquiridas de uma terceirizada e já provocaram a morte de, pelo menos, seis pessoas, além de ferir dezenas outras.
A Toyota pede para que o banco do passageiro desses modelos não seja utilizado até a troca. Vai que…
É nesse momento constrangedor para uma empresa que conseguimos, mesmo que por um átimo de tempo e através de uma fresta de porta entreaberta, entender o que elas pensam de nós. Não somos manés, mas fico pensando se elas também acham isso.
Lembro quando a Fiat convocou proprietários de alguns modelos de picape, visando à "substituição dos parafusos de fixação da haste de ancoragem do cinto de segurança do passageiro do banco dianteiro".
Cinto de segurança. Que, como todos sabemos, é um item secundário no veículo. Assim como airbag.
Dizia o comunicado:
"O eventual risco de segurança ao consumidor se dá em face à utilização de um parafuso de menor comprimento (33 mm) em relação ao que foi concebido no projeto (38 mm), trazendo como consequência uma redução no comprimento útil de resistência, entre a porca e o parafuso, predispondo em caso de colisão a perda de ancoragem inferior do cinto, podendo afetar a segurança do usuário."
Traduzindo: "Galera, babado é o seguinte: economizamos no material. Mas aí descobrimos que o cinto pode dar chabú e você virar suflê em uma batida".
Lembro das aulas de mecânica técnica e de resistência dos materiais quando fiz colégio técnico (vocês não tem ideia do meu passado), em que se discutia quanto de material seria necessário para determinada função.
Se muito, gastava-se dinheiro à toa. Se pouco, podia colocar em risco um projeto e pessoas. Mas estamos falando de planejamento, o que não parece incluir, neste caso, alguns veículos.
Dizer que falhas e erros não vão acontecer nessa vida é ficção. Mas o peso da responsabilidade é diferente, dependendo do poder econômico de quem comete o erro.
Uma empresa de automóveis pode se dar ao luxo de apresentar uma falha em um sistema que salva vidas e dar um prazo para que isso seja solucionado sem ônus para ela junto ao consumidor.
Agora, tente você apresentar uma "falha" nos pagamentos de parcelas do veículo para ver se banco, concessionária e montadora te dão um prazo para que isso seja solucionado sem ônus para você junto às empresas.
E a arrogância de todas elas me deprime horrores.
Ao invés de pedir profundas desculpas aos consumidores, seja pelos transtornos, seja por colocar sua segurança em risco, e prometer rever processos de planejamento, compras e produção para que isso não volte a acontecer, empresas fazem cara de paisagem.
Tentam, dessa forma, reverter o significado do ocorrido. Nunca se esqueça: é o discurso que organiza o mundo e não os fatos.
Essas convocatórias de recall me lembram um tipo de propaganda que, particularmente, também adoro. É aquela que explica ao consumidor que ele deve agradecer o favor que lojas, bancos e concessionárias de serviços públicos lhe fazem. Uma espécie de mensagem em que induz em nós uma vontade louca de incorporar Gilberto, personagem de uma peça de Nelson Rodrigues, e gritar "Perdoa-me por me traíres!"
Vocês perceberam que toda a vez que o setor empresarial vai tungar o nosso bolso com um aumento bizarro acima da inflação ou quer esconder algo (normalmente algum defeito de fabricação que deixaram passar) chovem anúncios nos veículos de comunicação mostrando como a vida é melhor com eles?
Ou, por outra: existe um fascinante nexo entre o flagrantes de escravos em confecções e construtoras e o aumento de anúncios de roupas e apartamentos em sites, revistas, jornais, rádios, TVs…
A explosão de mídia acontece para melhorar a imagem dos que são obrigados a fazer recall porque o seu produto decepa dedos ou veio com uma pecinha torta que pode, sei lá, deixar o freio sem função.
Indústrias mineradoras e de pesticidas que acreditam que bebês acéfalos, cânceres de pele e peixes mortos são apenas um detalhe.
Empresas envolvidas em investigações por corrupção ativa.
Construtoras que acreditam, piamente, que seus operários sabem voar e, daí, pouco se importam com a falta de equipamentos de proteção individuais em andaimes e gruas assassinos.
Frigoríficos processados por moer a Amazônia em forma de hambúrguer e fazer nuggets dos tendões de seus trabalhadores nas linhas de produção.
Ou, ainda, concessionárias de rodovias, que mostram na TV como é legal pagar um aumento no pedágio acima da inflação.
Nesse comerciais, o céu é mais azul, os campos são mais verdes e até veadinhos saltitantes pastam entre dentes de leão espalhados pela brisa.
Famílias sorridentes pipocam aqui e ali, com escovas impecáveis e dentes brancos. Não há lixo ou poluição, o sofrimento não tem vez e tudo é acessível, como se dinheiro desse em árvore.
E a gente vai engolindo tudo. Como em uma novela. Cujo final feliz é deles, não nosso.
Enfim, aqui você encontra a lista de recalls do Procon de São Paulo e, aqui, a do Ministério da Justiça.
E, neste link, como comprar e recarregar o seu bilhete único para uso do transporte público, caso more em São Paulo…
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