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Leonardo Sakamoto

Não existe racismo no Brasil. O que existe é coincidência. E azar

Leonardo Sakamoto

21/05/2015 20h48

Não existe racismo no Brasil.

O que existe são coincidências.

Nesta quinta (21), a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Nilma Gomes vinculou, em audiência no Congresso Nacional, a mortalidade dos jovens negros (cinco assassinados a cada duas horas) ao racismo.

Pura coincidência. A mesma que faz com que balas de revólveres acertem mais jovens negros e pobres.

Coincidência e azar.

Toda a vez que trato da questão da desigualdade social e do preconceito que os negros e negras sofrem no Brasil (herança cotidianamente reafirmada de um 13 de maio de 1888 que significou mais uma mudança na metodologia de exploração da força de trabalho do que uma abolição de fato, pois não garantiu as bases para a autonomia real dos ex-escravos e seus descendentes), sou linchado pelos comentaristas.

Até porque, como todos sabemos, o brasileiro não é racista. Nem explora sexualmente crianças e adolescentes. Muito menos é machista.

Então, seguem seis cenas, daquilo que há de melhor em nós.

Cena 1 – Lugares comuns

Tinha que ser preto mesmo!…Bandido bom é bandido morto… Baiano quando não faz na entrada faz na saída… Mulher no volante, perigo constante… Sabe quando pobre toma laranjada? Quando rola briga na feira.

Cena 2 – Conversando no trânsito

– Amor, fecha rápido o vidro que tá vindo um escurinho mal encarado.

– Aquilo é um cigano? Mantém o vidro fechado.

– Olha, meu filho não é preconceituoso, não. Ele até tem amigos gays.

– Tá vendo? É por isso que um tipo como esse vai continuar sendo lixeiro o resto da vida.

– Viu aquela luz? É um terreiro de macumba. Logo aqui na nossa rua! Mas o João Vítor vai dar um jeito nisso, ele conhece uma pessoa na subprefeitura que vai tirar essa gente daí.

Cena 3 – No salão de beleza

– Eu adoro o Brasil porque é um país onde não existe racismo como nos Estados Unidos. Aqui, brancos, negros e índios vivem em harmonia. Todos com as mesmas oportunidades e desfrutando dos mesmos direitos. O que? Se eu deixaria minha filha casar-se com um negro? Claro! Se ela conhecesse um, poderia sem sombra de dúvida.

Cena 4 – Na redação do vestibular

– Os sem-terra são todos delinquentes que querem roubar o que os outros conquistaram com muito suor.

– Os índios são pessoas indolentes. Erra o governo ao mantê-los naquele estado de selvageria.

– Tortura é um método válido de interrogatório.

Cena 5 – Enquanto isso, entre os amigos

– Uma puta! Alguém pega o extintor para jogar nessas vadias.

– Um índio! Alguém pega gasolina para a gente atear fogos nesses vagabundos.

– Um mendigo! Alguém pega um pau para a gente dar um cacete nesses sujos.

– Umas bichas! Alguém pega uma lâmpada fluorescente para bater nessas aberrações.

Cena 6 – Em um bar qualquer

– Vê se me entende que eu vou explicar uma vez só. A política de cotas é perigosa e ruim para os próprios negros, pois passarão a se sentir discriminados na sociedade – fato que não ocorre hoje. Além disso, com as cotas, estará ameaçado o princípio de que todos são iguais perante a lei, o que temos conseguido cumprir, apesar das adversidades. O Brasil é um país onde todos são iguais. Esse pessoal pró – cota é que tenta instituir a discriminação.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.