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Leonardo Sakamoto

E a melhor reforma política será, no final das contas, uma não-reforma

Leonardo Sakamoto

27/05/2015 01h51

A Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de terça (27) e na madrugada desta quarta, a mudança do sistema eleitoral do proporcional, vigente hoje, para o distrital misto e para o "distritão", além do voto em lista fechada e a previsão constitucional do financiamento empresarial de campanhas.

Uma vez tirado o "bode da sala" ou "cortina de fumaça" – o sistema de "distritão", no qual o mais votado em cada estado ou município se elegeria, sem considerar votos em partidos -, o presidente Eduardo Cunha imaginou que seria fácil a questão das doações empresariais – joia da coroa da reforma que foi estruturada por ele e pelo PMDB. Mas, surpreendentemente, a proposta não atingiu os 308 votos necessários (foram 264 a favor e 207 contra).

Deve-se creditar parte do fracasso (até agora) da proposta de reforma de Eduardo Cunha à sociedade civil e a cidadãos que militaram e bateram perna nos corredores do Congresso, mostrando que os eleitores não esqueceriam um projeto que tornasse as coisas piores do já estão. A deputados de várias agremiações e matizes, que entenderam a emenda como um problema, uma vez que o sistema brasileiro é, acertadamente, baseado em partidos políticos e em não indivíduos. Aliás, culpa-se o sistema eleitoral, mas os partidos é que são ruins.

Mas, principalmente, grande parte dos deputados federais que derrubaram a mudança optou por manter o sistema que os elegeu. O que, tendo em vista a mudança proposta, desta vez, foi bom.

Agora, a questão sobre o financiamento volta para o Supremo Tribunal Federal, que está julgando a proibição de doações de empresas. O "não" já tem maioria, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vistas, sentou-se em cima, o que deu tempo para Eduardo Cunha correr com a aprovação de uma emenda constitucional sobre esse tipo de financiamento. Emenda rejeitada nesta madrugada.

Com a derrota, não há mais razão para Gilmar não devolver a matéria ao plenário do STF.

Lembrando que as doações empresariais estão na origem de várias escândalos de corrupção, de políticos que querem pagar a fatura ou garantir o financiamento no próximo período através da aprovação de leis, favores e outros servicinhos.

Particularmente, ainda acho que a melhor proposta de emenda constitucional seria uma que obrigaria a vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes a usar, durante o serviço, paletós e tailleur com as logomarcas das empresas que os financiaram. Transparência total.

O Congresso ainda vai discutir a questão da doação para partidos (que continuariam repassando recursos para os candidatos) e do financiamento público, bem como o fim da reeleição, a unificação da eleições, entre outras propostas.

Qual reforma política? – Muitos dos jovens que foram às ruas em junho de 2013, reivindicando participar ativamente da política, não estavam pedindo a mudança do sistema eleitoral. Isso foi uma resposta escolhida pelo próprio sistema. Eles queriam mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Mas não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós.

As mudanças em discussão no Congresso Nacional fazem sentido em um momento em que os relacionamentos sociais e a vida comunitária rompe fronteiras, gera empatias e conecta pessoas em coletividades que pouco têm a ver com o seu bairro? A política está sendo radicalmente transformada pela mudança tecnológica. Participar do rumo das coisas a cada quatro anos não será mais suficiente. Pois, em verdade, nunca foi.

O Congresso Nacional segue no sentido oposto, tentando implementar fórmulas que beneficiam os parlamentares que já estão no poder ou os que contam com currais eleitorais. E quando qualquer proposta para aumentar os instrumentos de participação popular aparece, como conselhos ligados à defesa dos direitos humanos – bandeira importantes de muitos parlamentares ligados ao PSDB e ao PT durante a redemocratização – elas são taxadas de golpes para tirar poder do Legislativo.

Senadores, deputados, vereadores, membros das esferas federal, estadual e municipal e quem sistematicamente ganha com a proximidade a eles, enfim, o grupo de poder estabelecido, tendem a não gostar da ideia de ver outros atores ganharem influência através da abertura de novos canais de participação.

Durante décadas, brigamos para a implantação de instâncias de participação popular. E, agora, que elas começam a ser discutidas em determinados espaços, ainda que de forma tímida e por conta de intensa pressão social, as propostas são congeladas por medidas em tramitação no Congresso e ações diretas de inconstitucionalidade.

Como não há mudanças, nesse sentido, no horizonte visível, o melhor, por enquanto, é garantir que a atual legislatura não piore as coisas, deixando que um Congresso futuro aprove as mudanças que o Brasil realmente precisa. E não aquelas que beneficiariam a si próprios.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.