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Leonardo Sakamoto

Jesus, hoje, seria gay. E você o desprezaria

Leonardo Sakamoto

04/06/2015 11h18

É possível perceber uma diminuição no apoio popular à efetivação de determinados direitos por conta de discursos contra eles utilizados nas campanhas eleitorais do ano passado e no seu rescaldo – que se estende até hoje.

Para ser bem sincero, estamos em um péssimo período para se conseguir a efetivação de direitos das minorias. Os ultraconservadores saíram do armário, o Congresso Nacional e os governantes de uma maneira geral estão uma lástima e o debate raso tem nivelado tudo por baixo.

Aliás, tenho certeza de que há uma relação entre o acirramento de ânimos durante o período eleitoral e após ele, a incapacidade de diálogo fomentado pela política rasteira, o aprofundamento do discurso intolerante e desumanizador (que mata a capacidade de se reconhecer no outro) e o aumento no número de casos de violência contra algumas parcelas da sociedade.

A minha timeline está abarrotada de histórias suspeitas e comprovadas de terem relação com homofobia e transfobia. Ao mesmo tempo, grupos religiosos fundamentalistas reafirmam posicionamentos de ode ao preconceito e tentam mudar leis para garantir que nada mude. Por exemplo, restringir o conceito de família a um homem, uma mulher e filhos. Patético.

O mais intrigante é que, como já disse aqui, tenho a certeza de que se Jesus de Nazaré, o personagem histórico, vivesse hoje, defendendo a mesma ideia central presente nas escrituras sagradas do cristianismo (e que, por ser tão simples, não é seguida por muitos cristãos) e andando ao lado dos mesmos párias com os quais andou, seria humilhado, xingado, surrado, queimado, alfinetado e explodido.

Chamado de defensor de mendigo e de sem-teto vagabundo.

Olhado como subversivo, alcunhado como agressor da família e dos bons costumes.

Violentado e estuprado.

Rechaçado na propaganda eleitoral obrigatória em rádio e TV.

Difamado nas redes sociais.

Transpondo para os dias de hoje no Brasil, talvez Jesus fosse uma mulher, negra e transexual.

E levaria porrada daqueles que se sentem os ungidos pelo divino.

Feito os sacerdotes do Templo.

Supostos representantes dos interesses de Deus na Terra que afirmam lutar pelo direito de expressarem suas crenças.

Mas, como já reclamei aqui, que droga de crença é essa que diz que A é pior que B, gerando ódio sobre o primeiro, só porque A acredita que nasceu com um corpo que não é o seu? Ou que ama alguém do mesmo sexo? Que religião mesquinha é pequena é essa?

Deputados e senadores, de governo ou oposição, bradam, indignados, mediante à luta por direitos.

A verdade é que deveriam ser responsabilizados em atos de homofobia e transfobia não apenas os diretamente envolvidos, mas também suas fontes de inspiração. Como esses nobres políticos.

Se houver um Deus – e eu duvido muito que exista – ele morre de vergonha de mostrar a sua criação humana para os amigos.

Não por causa daqueles que tocam a vida da forma que os faz mais felizes. Mas por conta dos que cantam musiquinhas, louvando-o até não poder mais, mas ofendem, cospem, batem e esfolam em seu nome.

Nessa hora, esse Deus deve experimentar um sentimento louco de culpa somado à vergonha alheia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.