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Leonardo Sakamoto

Divulgue, depois apure: O erro agora é etapa do processo jornalístico?

Leonardo Sakamoto

25/06/2015 16h23

É lógico que a adrenalina trazida pela possibilidade de divulgar uma notícia antes dos concorrentes vicia jornalistas.

E é compreensível que veículos jornalísticos incentivem seus empregados a darem "furos". Isso confere prestígio junto ao grande público, aos formadores de opinião e aos anunciantes. Ou apenas massageia o ego junto aos colegas, mas isso já é outra história.

A instantaneidade trazida pela internet, contudo, aumentou a pressão sobre o jornalista, reduzindo o tempo que ele tem para apurar uma informação a quase nada. O prazo de uma notícia quente era sempre dez minutos atrás.

Se ele ou ela fizer o trabalho direitinho e checar tudo conforme manda o figurino, pode ser ultrapassado pelo concorrente que não checou e simplesmente replicou.

Ou pelos leitores munidos de suas contas de Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp, que não têm a mesma preocupação com ética na circulação de notícias. Ou, pelo contrário, querem intencionalmente ver o circo pegar fogo.

No limite, pode ser criticado dentro da redação, cobrado pelo atraso e até dispensado por não se "encaixar" na empresa.

A ponto de ser comum ouvirmos alguns chefes soltarem a frase: "publique primeiro, corrija se estiver errado depois".

Ou outra que está cada vez mais famosa: "pega a informação da concorrência, dá um tapa e publica".

Pois, como sabemos, a seção de "erramos" não dá audiência como a manchete. Nem viraliza nas redes sociais.

Aliás, quem lê o "erramos" além de repórteres, assessores de imprensa e professores e estudantes de jornalismo?

O jornalista tem uma única certeza: que vai errar e muito ao longo da profissão. Perceber que errou deveria incomodar e não passar batido. Porque esse incômodo é transformador.

Em outras palavras, estamos internalizando a possibilidade de erro como parte do processo jornalístico. Não o erro como consequência de uma profissão que lida com a natureza humana, mas como etapa inevitável a ser cumprida diante da ausência de tempo. Ausência criada não pela tecnologia em si mas pela maneira como nós a abraçamos sem contestação.

Sai "apurar, checar, escrever e divulgar".

Entra "copiar, escrever, divulgar, checar, apurar, escrever, divulgar".

Concordo que o repórter deve estar preparado para produzir algo bom e de forma rápida.

A máquina de moer gente no jornalismo – com redações enxutíssimas em decorrência da crise estrutural da profissão e econômica do país, competindo com sites sem a mesma preocupação com a veracidade dos fatos e chefes impelidos a só enxergar pageviews ao invés de ponderar a qualidade final do trabalho e sua relevância social – está girando mais rápido do que nunca.

No meio do caminho, a versão mais correta dos fatos é atropelada e morre. Não por um caminhão, mas por toda a frota de uma vez. E é enterrada como indigente, porque ninguém reivindica seu corpo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.