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Leonardo Sakamoto

Que tal pagar royalties para a Grécia por conta das Olimpíadas?

Leonardo Sakamoto

05/07/2015 19h23

Em apoio à sociedade grega, que votou "não", em plebiscito realizado neste domingo (5), para um austero acordo com seus credores internacionais, que apertaria ainda mais o já apertado cinto na economia a fim de pagar uma impagável dívida, tenho uma sugestão.

Vira e mexe o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Olímpico Internacional afirmam ser proprietários da palavra "olimpíadas" e movem ações ou mandam cartas descabidas a quem quer que use o termo. De competições de ciências, matemática e história à presença em capas de livros, eles cobram e vigiam seus pretensos "direitos" sobre o uso. Justificam-se dizendo que seus avisos enviados a instituições de ensino que promovem "olimpíadas" têm um caráter educativo a fim de garantir que não haja destino comercial para a "marca".

Há muito os Jogos Olímpicos são um negócio e seus organizadores mercadores, que transformam até papel higiênico em artefato oficial da competição, mostrando que ele limpa mais rápido, mais alto e mais forte.

É chover no molhado, mas não me canso de pensar o quão pa-té-ti-co é termos comemorado o fardo de receber as Olimpíadas, com cenas ridículas de autoridades em prantos. Pior, brigamos por isso. "Ah, mas os ganhos dos jogos ficam para a população!" Por que somos tão mirins que precisamos da justificativa de eventos esportivos para catalisar melhorias para a nossa estrutura esportiva e para a qualidade de vida dos moradores da cidade?  "Ah, mas vai trazer ganhos com o comércio!" Pesquisas já mostraram que o Carnaval dá mais retorno do que poderá trazer os Jogos. "Ah, mas isso enche de orgulho o brasileiro, que vai mostrar ao mundo que também é importante." Putz, que dó do tal do brasileiro, que ignora remoções forçadas de moradores e destruição de mata nativa relativas aos jogos.

Enfim, o Coelhinho da Páscoa, o Papai Noel, o Saci Pererê e a Mulher de Branco prometeram que a população do Rio de Janeiro vai ganhar com as Olimpíadas mais do que se o montante de recursos fosse investido na cidade sem a realização dos Jogos. E que todos os envolvidos farão isso dentro do mais altivo interesse público, sem receber nada.

Os Jogos Olímpicos modernos são de 1896, após o Barão de Coubertin ter fundado o que hoje é o COI dois anos antes. Mas não me lembro de os gregos que lutavam, corriam e saltavam besuntados de azeite de oliva nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, entre os século VIII a.C. a V d.C, terem registrado em cartório o uso do nome.

Vocês terão que concordar comigo, entretanto, que cerca de 1300 anos de história são suficientes para dar o direito de um nome a alguém.

Sugiro, portanto, que todos os recursos captados pelo COI e pelos comitês olímpicos nacionais com o uso do termo "Olimpíadas" e similares sejam destinados para a Grécia.

Podemos também encaminhar para o berço da democracia os recursos advindos da venda de direitos de transmissão para a TV.

Com menos dinheiro em jogo, talvez os Jogos pudessem ser mais simples e próximos de sua ideia original.

Além do mais, o montante angariado poderia aliviar o chicote sobre o lombo dos trabalhadores gregos, que estão tendo direitos defenestrados como receituário de combate de uma crise causada por uma visão enganosa de progresso. O "não" deste domingo, por um lado corajoso, por outro pode abrir um novo período muito difícil para a população.

A mesma visão de progresso que parece ser idolatrada pelos Jogos Olímpicos hoje.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.