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Leonardo Sakamoto

E se o Brasil estivesse na Idade Média, você gostaria de política?

Leonardo Sakamoto

17/07/2015 14h05

Você acha chato acompanhar notícias de política no Brasil?

Mas você leria um livro ou veria uma série de TV sobre um aprendiz de feiticeiro que ajudou seu mestre, um obscuro bruxo, a usar magia proibida para colocar no trono um dos caras mais sujos do reino, que se apresentava com ilibado cavaleiro?

Ele sobreviveu mesmo com o rei tendo sido deposto após um escândalo que começou com a doação ilegal de uma carruagem e o bruxo, seu mestre, estranhamente assassinado por uma concubina quando estava em fuga em um reino do Oriente Distante. Sobreviveu, mas não sem ser acusado de não ser digno das funções reais que desempenhara.

Daí conheceu um sacerdote que o apadrinhou. A partir daí, começou a pregar a Palavra em uma das maiores províncias do reino, negando os rituais pagãos que praticara na juventude. Conhecido e amado pelas massas, foi ungido cavaleiro da corte provincial e depois da corte do reino.

Lá, ganhou guerras para um novo rei e depois para uma nova rainha – que sabiam que, apesar dele pregar a Palavra, continuava usando magia proibida. Em verdade, suas majestades não queriam ouvir sobre tais heresias, desde que o reino funcionasse e tudo aparentasse tranquilidade.

Tornou-se poderoso. Contava com o apoio de muitos cavaleiros sem prestígio, apresentando-se como seu líder. Ao mesmo tempo, fechou acordos obscuros com mercadores e artesãos de dentro e de fora do reino para facilitar-lhes o comércio. Com as moedas de ouro que ganhou, aumentou seu poder junto aos demais cavaleiros e escudeiros.

A soberba dos conselheiros reais, que não conseguiam enxergar nele uma ameaça, pavimentou o caminho para que fosse escolhido pelos outros cavaleiros como Senhor da Guerra, impondo uma vergonhosa derrota ao preferido real. Com as contas do reino enfraquecidas por conta das decisões equivocadas tomadas pela rainha, por seu primeiro-ministro e por conselheiros, a coroa se vê, enfim, dependente do Senhor da Guerra.

Ele passa a atender os pedidos de muitos dos cavaleiros sombrios que haviam-no ajudado a chegar ao poder. Mulheres, crianças, estrangeiros e pobres perdem direitos. O reino passa a viver um período de obscurantismo, piorada pela incompetência crônica da Coroa e pelo oportunismo bizarro das outras casas reais que também desejam o trono. Os mais velhos afirmam que a situação era semelhante aos dias que antecederam a Grande Noite, quando inaugurou-se 30 anos de trevas no reino.

Apesar de um antigo tratado haver proibido manifestações religiosas dentro do Conselho dos Cavaleiros, o Senhor da Guerra permite que um ato de pregação da Palavra seja lá realizado. A injúria foi tamanha que um lorde, dignatário de uma casa real de oposição à Coroa, bradou que isso era um ultraje e foi atacado por cavaleiros em transe.

Nunca se dá por vencido: ignorando antigas tradições do reino, e independente do que morrer ou se perder no meio do caminho, ele segue uma batalha até vence-la. Mas luta apenas as batalhas que deseja, promete, por um lado, lealdade à Coroa e, por outro, acena para as diferentes casas reais.

O Senhor da Guerra deixa claro que quer a coroa, mas não é visto como ameaça. Por considerá-lo plebeu, as outras casas reais acham que ele não terá forças para assumir o trono, apesar de precisarem dele para retirar a rainha do poder. Mas guerra é a sua profissão e ele vai seguindo a estratégia que mesmo traçou. Quer chegar lá.

Daí, de repente, correm pelo reino acusações de que ele continuava usando magia proibida, tal como o bruxo, seu mestre, um quarto de século antes também fizera. Os acusadores dizem que tiveram que entregar muito ouro para o Senhor da Guerra a fim de poderem fazer negócios com o reino. Temem, hoje, suas retaliações.

Questionado pelos escribas, disse que faria o que sabe fazer: ir à guerra. E que explodiria a coroa.

A história não terminou. E ninguém pode dizer, por enquanto, como termina.

Acompanhar política é legal. E muito necessário.

Ler fontes diferentes de informação e checa-las, não consumindo apenas aquilo que pinga passivamente na sua conta de WhatsApp também. Faz a diferença entre você ser alguém antenado ou um zumbi.

Afinal de contas, se você não gosta de política e não se interessa, as pessoas que realmente "gostam" vão mandar em você.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.