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Leonardo Sakamoto

Doe um livro de História para quem te resume pela aparência

Leonardo Sakamoto

24/07/2015 17h01

Uma coisa que tem me fascinado ultimamente é o aumento do número de impropérios nas redes sociais em que o comentarista chama o outro de "mestiço", carregando na palavra um significado de xingamento que nunca me ocorrera, tentando dizer que a pessoa que tem olho amendoado é inferior.

"Um mestiço imundo."

"Aquele mestiço."

"Um mestiço sujo."

"Mestiço podre."

"Lixo de mestiço."

E, essa é boa:

"Mestiço que traz vergonha pros japoneses."

O que leva a uma outra pergunta: por que eu teria que levar orgulho aos japoneses?

Munido de uma curiosidade mórbida, fucei um ou outro comentarista. Vai dizer que você também não tem vontade de saber onde vive, como procria e o que come esse pessoal? Encontrei alguns perfis, reais ou fakes, não importa, que curtiam páginas neonazistas e outras bobagens de quem faltou às aulas de história.

1mestico

Isso porque eles não sabem que japonês é só o lado do meu pai. Minha mãe é filha de um grego, de Tessalônica, com uma italiana calabresa – que, por sua vez, era filha de um alemão (rá, segura essa!). O grego era descendente de búlgaros – o que levou minha mãe a ter um sobrenome eslavo, quando solteira, impronunciável.

Ou seja, sou, como a maioria de nós somos, uma maçaroca. O que, claro, não me faz melhor, nem pior. Apesar do charme da indefectível questão que sempre escuto: "de onde você saiu?"

Não estou reclamando que sou vítima de preconceito. Isso seria leviano, na mesma linha daquele pessoal fri-ta-do que teme o crescimento do racismo contra brancos no Brasil. Preconceito é sofrido diariamente por negros, indígenas, entre outros grupos, neste nosso Brasil intolerante.

Isso é apenas uma reflexão sobre seres pitorescos que antes andavam nas sombras e, hoje, têm orgulho de mostrar a cara. Não apoio censura prévia, então é bom que falem.

Daí, há casos que demandam denúncias às autoridades. Mas há outros, como os dos meus leitores, que uma boa dose de paciência e amor, para que deixem de sentir medo pelo desconhecido, que vai lhes poupar anos de terapia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.