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Leonardo Sakamoto

Faça o teste e descubra que tipo de leitor você é

Leonardo Sakamoto

29/07/2015 18h28

Atire a primeira pedra quem nunca fez aqueles testes de revistas como Capricho ou Querida. Dito isso, trago um necessário teste para ver quem você é do ponto de vista da interpretação de texto.

Porque, como já disse aqui, falta amor no mundo, mas falta interpretação de texto também.

Vamos lá: Atentem-se para a frase "Vovó viu a uva".

Agora, apontem a interpretação que acham a mais correta para ela:

Interpretação de texto 1:
Certamente a vovó não viu a uva, nem tinha interesse em vê-la. Mas algum capacho de um feminismo de botequim, inseriu a vovó na história só para poder comer a mulherada que lê seus artigos, se fazendo de, como posso dizer, sensível. O cretino quer aparecer bem na fita no Tinder. Todos nós sabemos que a vovó está mais interessada em fazer um bom tricô, cozinhar um bolo para a família, cuidar dos netos ou conversar com as amigas na varanda. Ver a uva é coisa de homem, sempre foi. Afirmar que vovó viu a uva só ajuda a desestabilizar a família brasileira, criando embaraços para o vovô, que lutou a vida inteira para sustentar a casa e garantir que uvas chegassem à família. E, agora, ele não pode nem ver o fruto do seu trabalho? Tristes tempos são estes…

Interpretação de texto 2:
A vovó é uma idiota vendida para ONGs internacionais que acha que o alimento que ela consome vem da gôndola do supermercado. Não imagina que, por trás de tudo, e sustentando tudo, inclusive o superávit da balança comercial, há um pujante agronegócio e abnegados produtores rurais. A idosa em questão apenas viu a uva, mas por que ela se nega a dizer quem a plantou? Qual o interesse de esconder quem a cultivou? Quem a selecionou e trouxe para a mesa da idosa a fim de que pudesse ser vista? O agronegócio está cansado e a população deve fazer uma escolha: ou produzimos uvas ou preservamos o meio ambiente. Mais respeito com o produtor rural e menos preocupação com índios, quilombolas e ribeirinhos, que, como todos sabemos, não produzem uva.

Interpretação de texto 3:
O livro de Levítico é muito claro: Mulher nenhuma poderá ver a uva de ninguém, a não ser a do seu próprio marido, com união consagrada perante Deus e apenas com fins de procriação. Mulher ver a uva é abominação, com pena de apedrejamento em praça pública. Antes desse clima de permissividade, nem se falava da uva em público. Hoje, uma cena grotesca, como uma pura vovó vendo uma uva, é difundida pela internet sem pudor. Graças ao Senhor Jesus, contudo, nós temos os pastores eleitos no Congresso Nacional, que devem aprovar um projeto de lei impedindo que a uva seja vista e pronunciada, e no Ministério do Esporte – que impedirá esportes com uva nas Olimpíadas.

Interpretação de texto 4: 
Nós da Associação Empresarial dos Amigos da Escola gostaríamos de vir a público, através desta nota, para demonstrar nosso desprezo contra a invasão de comunistas na educação das crianças deste Brasil demonstrada nessa frase. Ao invés de aproveitar a alfabetização para incutir na juventude valores caros à nossa sociedade como a livre iniciativa, a competitividade, a meritocracia e o darwinismo sócio-econômico, eles esvaziam a educação básica com questões sem importância, vovós e uvas. Vejamos o caso de Joãozinho. Se ele tivesse se alfabetizado através dessa cartilha hoje seria um Zé Povinho. Ao contrário, usando o método de inclusão cidadã da Associação Empresarial dos Amigos da Escola, ele partiu de uma criança que devorava biscoitos feitos de barro e brincava com ossinhos de rabo de zebu para se tornar o CEO de uma grande multinacional . Se Joãozinho se tornou alguém sem a ajuda do Estado ou de vovós, sem depender de professores que só reclamam de salários e faltam às aulas, por que insistirmos em custos caríssimos, gastando em uvas na merenda escolar pagas com dinheiro público?

Interpretação de texto 5: 
Vovó vê uvas, codornizes e caviar porque ficou de bico fechado para fazer vistas grossas no escândalo do trensalão paulista. Na verdade, as uvas estão em cima da mesa da vovó desde a fundação do país. Esteve nas capitanias hereditárias, na Casa Grande, nos Palácios do Café até chegar às mesas dos Jardins, com gosto de um capitalismo decrépito que, crise atrás de crise, está caindo de velho diante da organização popular. O povo está com fome e não quer comer brioches, mas sim uvas. As uvas que hoje o capital saboreia. Apesar da vovó, amanhã há de ser outro dia e a elite branca não verá esse dia chegar.

Interpretação de texto 6:
A Vovó viu a uva porque é uma vagabunda, que mama nas tetas do governo federal, depois de ter conseguido um cargo porque trabalhou na campanha de alguém. Enquanto o brasileiro nem sonha com cheiro de laranja, essa desqualificada come cachos de uva comprados com nossos impostos, NOSSOS IMPOSTOS! Mas o gigante acordou e esse caso será levado para o Supremo Tribunal Federal para a cassação do chefe da quadrilha da vovó e a restituição de todas as uvas a seus proprietários de direito, que são os homens de bem do Brasil.

Interpretação de texto 7: 
"Vovó", na verdade, é uma agente infiltrada pela CIA nas manifestações de junho de 2013 para desestabilizar o governo e gerar um clima propício à vitória da oposição. "Vovó" não apenas teria visto as uvas como as utilizado para cooptar centenas de milhares de jovens por todo o país com a distribuição do tipo itália – fato que passou longe das câmeras de TVs porque a grande mídia também fazia parte do plano. "Vovó" só não teve sucesso no seu intento porque o governo de Cuba enviou "vovô", agente de contrainformação, que balanceou esse processo com a entrega maciça de uvas ruby. Infelizmente, isso teve um custo e, por conta, entregamos a Copa do Mundo para a Alemanha.

Interpretação de texto 8: 
Vovó viu a uva significa que a vovó viu a uva.

Resultado:

(1) O Machista Solitário – Neste mundo fluido, no qual as coisas não são necessariamente aquilo que você pensava que fossem, você se sente só, acuado. Tal qual um último leão da savana que pode ser abatido, a qualquer momento, por um dentista de Minnesota, você vai de um lado para outro na internet, esquivando-se de armadilhas deixadas por feminazis que querem uma única coisa: te destronar como rei da floresta.

(2) O Ruralista Carente – Você se sente injustiçado. Afinal de contas, você produz os alimentos do país. E sente aquela raiva subir à cabeça quando um colega utiliza trabalho escravo ou infantil e logo é taxado de criminoso. Mas, pô, o que são um ou dois cativeiros frente ao progresso do país? O que é mais importante? Um pasto bonito até onde a vista alcança ou meia dúzia de índios xexelentos que iam morrer de fome de qualquer jeito mesmo se você desocupasse a terra deles?

(3) O Povo de Deus – Desde Jó, nunca homens e mulheres de Deus sofreram tamanha provação. São mulheres de barriga e de pernas de fora, seminuas, testando a nossa resistência e a nossa fé, quando deveriam estar em casa louvando a Deus. Mas você, mais do que ninguém, sabe que Deus é pai e não mãe. E a Câmara dos Deputados, que agora é do Senhor, deve aprovar um lei para proibir tudo isso aí.

(4) O Meritocrático – Você ralou, deu duro e venceu por conta própria. Por isso, sabe que só é pobre quem quer.

(5) O Gramsci Wannabe – Nunca leu O Capital, mas sabe como é bom falar dele como se o de barba (Marx, não Jesus) fosse seu melhor amigo.

(6) O Homem e a Mulher de Bem – Você é brasileiro, com muito orgulho, com muito amor. E cansou das coisas como estão aí. Pois sabe que, antigamente, o país era muito melhor. Então, quem não esta contigo, está contra você.

(7) O Conspirador – Dilma foi sedada por um grupo avançado que invadiu o Palácio do Alvorada e levada para um local secreto, onde ficará sob custódia. Em seu lugar foi colocada a "Moça", que após cirurgias plásticas em Pequim e intenso treinamento, tornou-se uma cópia perfeita, porém "de luta". Como ela estava acima do peso da mandatária (que, de uma hora para a outra, resolveu fazer a dieta Ravena), tiveram que proibir aparições públicas da "Moça" por algumas semanas, até que ela perdesse massa corpórea. Por isso, faltam uvas.

(8) O Sem Graça – Aguente firme, ok?

Moral da história: muita gente, quando lê, não descobre o outro. Apenas vê a si mesmo no espelho.

(A piada não é nova, eu sei. Mas o mundo lá fora está muito doido.)

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.