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Leonardo Sakamoto

Você é guiado pelo amor às suas próprias ideias ou pelo ódio ao outro?

Leonardo Sakamoto

22/08/2015 14h01

Se você faz um comentário crítico sobre uma política de um grupo A, o torcedor do grupo B posta que você é "gênio da raça". No momento seguinte, ao fazer um comentário ácido sobre uma bandeira de B, o mesmo tercedor diz que você é o "maior débil mental da face da Terra". Se você goza de C, o cara de B volta a dizer que você é rei. Para, depois, sugerir que seja "processado" e "morto" quando fala novamente de B, quando B dá margem para isso.

Tenho visto debates serem travados sobre quem teria dividido o Brasil, o governo ou a oposição. Um debate, na minha opinião, inútil porque basta analisar séculos da nossa história para perceber que o país nunca foi homogêneo, em deveres ou direitos. E que mesmo o que se convencionou chamar de "identidade brasileiro" é algo em discussão e construção, porque temos tantas coisas que nos separam do que aquelas que nos unem. O fato novo é que, de uns tempos para cá, o debate sobre essas diferenças passou a acontecer à luz do dia ou abertamente nas redes sociais.

Como já disse aqui, acho muito bom que os posicionamentos e insatisfações estejam escancarados. Porque tapar uma ferida com um bom curativo não basta para ela curar. Ela precisa ser analisada, limpa e tratada. E isso vai demandar muito diálogo e paciência, de todos os lados. Pois é democrático discordar do posicionamento do outro. O que não é democrático é querer o fim das pessoas que pregam certos posicionamentos.

Com exceção de haters e trolls (que fazem o papel de contrainformação, desconstrução, vigilância e ataque), o que me preocupa é a tentativa de invalidar o debate público por amor à camisa, independentemente a cor que ela carregue, de direita ou esquerda, por exemplo.

Que – atenção, isso é importante – não se confundem necessariamente com oposição e governo, respectivamente.

Fico me sentindo um papagaio de estar retomando outra vez esse debate por aqui, pois há anos tenho martelado na mesma tecla. Mas mais do que um sentimento de estar construindo um mundo novo, coletivamente, muitos se juntam guiados pela sensação de conforto trazida pelo sentimento de pertencimento a um grupo. E esse grupo se define, não raro, não pela aceitação das propostas política de outro grupo, mas por identidade reativa ao outro, que é considerado inimigo e não adversário.

Ou seja, juntam-se pelo ódio à outra proposta e não pela certeza de que a sua proposta é melhor.

As torcidas politicas abandonam a razão muito antes que o povo das organizadas de times de futebol. Apesar de muitas organizadas de futebol estarem envolvidas em atos de barbárie e selvageria, seus componentes ao menos sabem quando o seu time dá vexame e quando manda bem, protestam contra os dirigentes, vaiam a própria esquadra, reconhecem jogadas de craque do adversário.

O que sai da boca dos líderes de qualquer grupo não deveria ser considerado como Verdade Suprema com cheiro de lavanda e toques de baunilha de Madagascar por seus seguidores. Da mesma forma que também a fala do adversário não deveria ser considerada como a mais completa carniça pútrida e fétida, infestada de vermes e baratas. Mas não é assim que muita gente age, adotando ares de seita fundamentalista.

Política é bom e é sensacional que as pessoas estejam vivendo, fazendo e respirando política. Mas, como já disse aqui durante aquela zorra em que se transformaram as eleições do ano passado, fazer política significa também estômago forte e alma tranquila, considerando que está em jogo a forma pela qual achamos que o país deve ser conduzido.

Ou seja, em tese, o seu interlocutor – seja ele um avatar estranho teclando loucamente em uma rede social ou o seu melhor amigo lançando perdigotos em um debate acalorado – não é seu inimigo. Ele está no mesmo barco e, também em tese (ok, pelo menos em tese), compartilha com você um mesmo objetivo comum: uma vida melhor. Isso não vale para trolls e haters, é claro.

Há pessoas que parecem não aceitar serem questionadas. Talvez para afastar os medos e inseguranças sobre suas próprias crenças. Acredito que meu ponto de vista está correto. E defendo-o de corpo e alma. Mas sei que isso não faz dele o único. Uma outra pessoa pode defender que a forma mais correta de acabar com a fome, a violência, as guerras, a injustiça seja por outro caminho. Já encontrei respostas para indagações pessoais em pessoas que escrevem sob um ponto de vista totalmente diferente do meu.

Sinceramente, você só tem amigos que concordam com você? Talvez você não saiba, mas você é uma pessoa pobre. Pois negar o convívio com a diferença empobrece nossa percepção do mundo.

Sei que é duro acreditar nisso neste momento de crise política, econômica e social. E, pior: com profissionais nas redes sociais, de um lado e de outro, distribuindo granadas à população para que entre em uma guerra fratricida. Sugiro que busquem a tolerância no diálogo, mesmo que firme e duro, e se perguntem se acham que estão certos a todo o momento, uma vez que nossa natureza não de certezas e sim de dúvidas e falhas que só poderão ser melhor percebidas no tempo histórico.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.