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Leonardo Sakamoto

Regulamentar o lobby pode diminuir a corrupção?

Leonardo Sakamoto

26/08/2015 18h49

Pressão e articulação para defender os interesses de um grupo social, político ou econômico junto ao poder público existe e sempre existiu em qualquer lugar do mundo. A realidade é a resultante de diferentes vetores de interesse. Que não possuem a mesma força, é claro. Mas isso já é outra história, mais complexa.

Faz parte do jogo democrático que grupos articulem politicamente, através do diálogo ou da pressão, com governos e parlamentos pela mudança ou manutenção de leis ou a execução de ações que beneficiem seus representados.

O que não faz parte é isso envolver somas de dinheiro ou troca de favores para que políticos, partidos e funcionários públicos coloquem o Estado a serviço de quem quer que seja.

Mas como a atividade de lobby e a função de lobista não são regulamentadas no Brasil, cada um recebe quem quer, da forma que achar melhor, promete a mãe em troca de apoio para eleição ou reeleição, sem que isso passe por uma prestação de contas à sociedade, na surdina. E essa falta de transparência ajuda a criar monstros como os escândalos de corrupção. A sociedade só descobre determinadas relações quando elas já drenaram os cofres públicos.

Projetos e discussões para regulamentar a atividade no Brasil, alguns beirando o ridículo de se fazer apenas um cadastro e uma carteirinha para identificar o profissional envolvido, já foram apresentados.

Fazer um crachá é uma solução tão boa quanto montar uma comissão. E, como sabemos, o Brasil adora um crachá. E uma comissão. Porque é a forma de resolver sem resolver nada por aqui.

Como já disse aqui antes, regulamentar o lobby significa dizer o que se pode e o que não se pode fazer. E estipular formas de publicizar obrigatoriamente essas ações.

Um lobista do setor sucroalcooleiro visitou o ministro-chefe da Casa Civil? Que seja colocada na página do ministério o motivo da reunião, os presentes e o que foi discutido e não apenas uma linha de agenda, quando muito. Um ex-presidente/ governador/ prefeito /senador /deputado /vereador foi conversar com alguém em cargo público para defender algum interesse específico, de movimentos sociais a empresas, que se dê plena publicidade disso.

Um lobista do setor de rádio e TV ou da área de telecomunicações foi tomar chá com biscoitos com o ministro das Comunicações? Que fique claro quanto tempo durou e o que foi discutido no encontro além do sabor dos amanteigados, se escoceses ou holandeses.

Um outro do setor automobilístico conversou com um presidente de comissão da Câmara dos Deputados? Quem, quando, como, onde, o que, por que e com quem disponíveis no site do parlamento sem demora.

E se alguém não publicar a informação estará incorrendo em falta grave, passível de punição à empresa, ao grupo representado ou ao político ou funcionário público envolvido. E todas as atividades poderão ser fiscalizadas e, em caso de desvio de conduta, serem alvo de investigação, processo público e condenação dos envolvidos.

Hoje, há um entra e sai tão grande de associações nos gabinetes que faz parecer que a única diferença entre "público" e "privado" é que uma é palavra proparoxítona e a outra não.

E isso valeria para todos os setores: empresas, associações, sindicatos, movimentos sociais, organizações não-governamentais… Afinal, é nosso interesse que está envolvido e os políticos eleitos com nossos votos e os servidores públicos não têm direito de guardar sigilo sobre isso.

Países como os Estados Unidos autorizam o lobby, mas têm regras específicas sobre o tema. Isso não resolve o problema, mas dá mais um instrumento para combatê-lo.

Quem já assistiu ao filme "Obrigado por fumar" (Thank You for Smoking, 2006), que satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby que atuam nos Estados Unidos, sabe o que é o discurso da defesa do indefensável. Mas aquilo, pelo menos, é público. Aqui dizemos que não existe tal situação.

Besteira. Tende a ser pior. No Brasil, por exemplo, o lobby de agrotóxicos joga bem pesado. Daria uma filme ou novela tão engraçados e trágicos quanto o da indústria do tabaco.

O problema seria encontrar um patrocinador.

Ignorar que uma unha espeta a carne, escondendo-a sob a meia e o sapato, não faz ela desencravar.

Pelo contrário. Infecciona.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.