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Leonardo Sakamoto

E se as comunidades vítimas de chacinas resolvessem se rebelar?

Leonardo Sakamoto

27/08/2015 15h54

Morreu, nesta quinta (27), Letícia Vieira, de apenas 15 anos, tornando-se a 19a vítima da chacina de Osasco e Barueri, ocorrida em 13 de agosto.

Compreenderia sem dificuldade alguma caso os moradores dessas comunidades resolvessem se revoltar contra o poder público e acampar no meio da rodovia Castelo Branco, que atravessa os municípios, decidindo sair de lá apenas quando fossem apresentadas medidas para que isso jamais voltasse a acontecer.

Parte dos que reclamam da legalidade de ocupações de vias públicas em protestos (e querem transformar isso em ato terrorista através de lei) se esquecem do desespero que leva muita gente a cometer tal ato. Reclamam do "estupro à legalidade" e se esquecem da causa do protesto. Por que esses farrapos humanos, negros, pardos e pobres simplesmente não morrem em silêncio?

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A principal linha de investigação continua sendo a participação de policiais militares, vingando-se de um colega morto.

Independentemente de PMs serem apontados como os culpados ao final da investigação, o governo poderia garantir desde já mudanças na estrutura da força pública, incluindo um processo de desmilitarização, mudanças na formação do policial, melhoria de salários e condições de trabalho e a garantia de punição rápida caso seja constatado o envolvimento de policiais envolvidos em delitos. Pois isso diminuiria, e muito, a violência com a qual muitos moradores são tratados no dia a dia e aumentaria a percepção de que há uma separação clara entre "bandidos" e "mocinhos".

Devemos lembrar que ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. Adotamos pouco a desobediência civil como forma de reivindicar nossos direitos. Mais do que isso, nossa existência.

Indo nessa toada de direitos para uns, deveres para outros, não estranhem se chegar o dia em que as "hordas" (como ouvi serem chamados os excluídos em uma rodinha de conversa) vão se rebelar. Não ficaria apenas em alguns ônibus queimados e barricadas de pneus, não. E, se isso acontecer, elas terão toda a razão.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.