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Leonardo Sakamoto

A história do fim dos comentários na internet

Leonardo Sakamoto

09/10/2015 11h02

Há um debate sendo travado, neste momento, em redações por todo o mundo, sobre a permanência da caixa de comentários em blogs, artigos ou reportagens. Pois, se por um lado, ela é um instrumento para a troca de ideias e a construção coletiva do conhecimento, por outro, também se tornou um ambiente para a desinformação, onde trolls e comentaristas profissionais atuam de forma sistemática para atacar – não raro de forma violenta – em nome de suas posições. Tornando-a, assim, uma trincheira sangrenta no rodapé dos textos.

Nesta quinta (8), a Wired – famosa revista de comportamento e cultura digitais – publicou um texto com o título "A Breve História do Fim dos Comentários". Diz que, apesar da caixa de comentários poder ser encontrada em qualquer lugar no jornalismo mundial, o custo da moderação cresceu com a audiência. Ao mesmo tempo, os debates mais "vibrantes" sobre um texto, segundo a revista, tem acontecido nas redes sociais. Então, sites têm desistido, pelo menos por enquanto, de manter esse debate em suas páginas.

Leia-se por "custo da moderação" recursos humanos, financeiros e tempo gastos para evitar comentários que sejam violentos, racistas, machistas, homofóbicos, preconceituosos, que ataquem gratuitamente outras pessoas ou o próprio autor, que não tenham relação com o tema proposto pelo texto, que existam simplesmente para criar ruído e impedir a mensagem da postagem ser compreendida, que instrumentalizem o espaço por grupos políticos e econômicos.

A Wired organizou uma linha do tempo com grandes publicações on-line norte-americanas que "desligaram" suas caixas de comentários. Resumo aqui:

24 de setembro de 2012: The Atlantic lança o site de negócios Quartz sem seção de comentários. Um ano depois, permite comentários na forma de "anotações".

24 de setembro de 2013: Popular Science se torna a primeira grande publicação a tirar os comentários citando estudos que apontam que eles podem ter profundos efeitos no entendimento de ciência por parte dos leitores. "Se você levar esses resultados à sua conclusão lógica – comentaristas moldam a opinião pública, opinião pública molda política pública, política pública molda como, se e quais pesquisas receberão apoio – começará a ver porque nós nos sentimos compelidos a 'desligar o botão' ", disse a editora digital do site.

12 de abril de 2014: O Chicago Sun-Times suspende seus comentários citando preocupações com relação a seu "tom e qualidade". Boa parte dos textos no site não aceitam comentários.

Agosto de 2014: A CNN desliga os comentários em muitas histórias durante os protestos contra o preconceito racial e a violência policial em Ferguson, no Missouri – ocorridos após a morte de Michael Brown, negro, pelo policial Darren Wilson, branco.

7 de novembro de 2014: Reuters retira os comentários de todos os seus textos, com exceção dos opinativos, dizendo que as mídias sociais são um local melhor para a discussão. "Essas comunidades oferecem um diálogo vibrante e, o mais importante, são autopoliciadas pelos participantes para manter à margem aqueles que abusam do privilégio de comentar", disse o editor executivo na época.

20 de novembro de 2014: O popular site Recode, sobre notícias de tecnologia, faz o mesmo, citando as redes sociais como o melhor lugar para o debate.

15 de dezembro de 2014: The Week desliga os comentários.

16 de dezembro de 2014: Mic.com, voltado a leitores mais jovens, faz o mesmo e prova que a ação não é ranço da velha mídia.

27 de janeiro de 2015: O site da Bloomberg é relançado sem comentários.

6 de julho de 2015: O site de notícias de tecnologia The Verge fecha os comentários para a maioria dos artigos durante o verão. Passado esse período, a maioria segue sem área de comentários.

No Brasil, esse movimento também aconteceu. O próprio UOL desabilitou a área de comentários em notícias e reportagens que faziam parte da cobertura das eleições gerais no ano passado, por exemplo. E não foi o único a adotar a postura diante da violência digital estabelecida na época ou do risco de instrumentalização desses espaço por candidaturas.

O UOL também implementou uma alternativa interessante em que o leitor pode ler todos os comentários por ordem cronológica, os mais curtidos ou aqueles que foram escolhidos pelos editores do site como os melhores do debate. É uma tentativa de qualificar a discussão, oferecendo alternativas aos que querem dialogar e não cultivar o chorume.

A moderação não é um ataque à liberdade de expressão, mas – pelo contrário – pode ser a única forma de garantir direitos diante da incapacidade de alguns comentaristas de respeitar o semelhante. O erro de achar que existam direitos absolutos é passar a utilizá-los como ferramentas de opressão.

Tenho uma experiência pessoal sobre o assunto. No dia 17 de março deste ano, fechei meu blog para comentários por tempo indeterminado. Na época, expus em um post as razões para tanto, o que gerou repercussão em outros veículos de comunicação. Afinal, não é todo dia que um jornalista faz isso por aqui. Ainda mais por conta dos motivos que apresentei.

Cheguei à conclusão que não poderia e não deveria manter um espaço em que as pessoas se encontrassem não com o objetivo de dialogar e defender suas posições, mas para destilar ódio, difamar e ameaçar. Ou seja, a área de comentários havia deixado de acrescentar e passou a tirar.

A incansável moderação do UOL sempre filtrou comentários que incorriam em crimes de ódio, incitação à violência e calúnia. Contudo, mesmo assim, o espaço foi povoado com perfis reais ou falsos, pessoas de cara limpa ou anônimas, que tentavam se utilizar de um conceito distorcido de liberdade de expressão para desrespeitar outros direitos humanos e fazer bullying em outros leitores.

O debate acabou sendo transferido para comunidades nas redes sociais. Por conta do algoritmo das redes sociais, que faz com que você tenha contato maior com amigos que pensam como você, isso pode ter impedido que leitores tivessem acesso a avaliações diferentes sobre os assuntos aqui postados do que aquelas circulantes em suas comunidades nas redes sociais – o que é uma pena. Mas tendo em vista a violência que grassava, creio que o ganho de entendimento foi maior do que a perda.

E, curiosamente, a circulação dos textos não caiu por conta disso. Pelo contrário, o compartilhamento aumentou.

Ainda é cedo para dizer se as caixas de comentários vão deixar de existir como as conhecemos ou continuarão firmes e fortes. Enquanto isso, cada veículo procura sua forma de lidar, de um lado, com quem os ataca, e, do outro, com quem quer apenas debater de forma saudável.

Atravessamos a adolescência da internet, momento em que muitas pessoas estão descobrindo as possibilidades da rede, mas sem compreender totalmente as consequências de seus atos.

Neste momento, a cultura política e do debate deveria ser melhor fomentada não só via estrutura formal de educação, mas através de espaços públicos e meios de comunicação, evitando simplificações onde há complexidade de matizes e zonas cinzentas. E respeitando as diferenças.

E, é claro, talvez, um prêmio Nobel da Paz seja concedido, em algum momento, ao futuro inventor de uma forma de identificar e destacar os perfis falsos que circulam na rede, semeando desinformação, violência e medo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.