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Leonardo Sakamoto

A vida não faz sentido? Daí surge religião ou teoria da conspiração...

Leonardo Sakamoto

28/11/2015 16h15

Não que conspirações não existam, porque existem. Mas quando o seu jornal não chega num domingo de manhã, o que é mais provável:

a) Um grupo de zumbis atacou o pobre entregador, transformando-o em um ser sem vontade alguma além de comer cérebros humanos e ler notícias requentada?

b) Uma horda de artesãs que fazem esculturas de craques de times de futebol atacou o entregador e roubou os jornais a fim de que fosse feito o maior papel maché do mundo?

c) Ou o cara simplesmente se atrasou por um congestionamento não planejado?

Se há um exército que retuíta, compartilha e dá "like" sem checar a informação, é claro que também existe uma miríade que preenche o vácuo de informações com suas própria fantasias para dar sentido à vida.

Ou seja, sempre tem um chinelo velho prum pé cansado.

Não gosto de teorias conspiratórias, mas sempre amei o jeito com o qual as pessoas que nelas acreditam as defendem com unhas e dentes. Acho fofo. Mais do que isso. Acho mágico.

Durante muito tempo, relutei. Fiz cara de nojinho. Hoje, sei apreciar uma boa teoria da conspiração como se aprecia um bom vinho – algumas podem até ser identificadas pela safra. Eleições de 2010, eleições de 2012, eleições de 2014…

Também desenvolvi um certo prazer cínico de presenciar quando um desmentido atinge em cheio algum crédulo em uma conspiração boba, daquelas que afeta única e exclusivamente a pessoa em questão: a cara de decepção e de espanto. A tentativa de negar sua, até então, inabalável fé feito Pedro negando Jesus três vezes. Ou a vontade de se agarrar a um pedaço de tábua flutuando em meio a um naufrágio, feito Jack com Rose (aliás, Rose, cabiam dois naquela tábua…) no Titanic.

Quando a gente questiona conspirações tem que ouvir que somos vendidos ao sistema e que, graças à internet, a verdade que queremos encobrir não ficará mais escondida.

Porque, como afirmaria o agente Mulder, de O Arquivo X, a verdade está lá fora.

Como já disse aqui antes, uma mentira contada repetidas vezes para si mesmo vira verdade e, para outros, torna-se religião.

Se a mensagem está bem estruturada, usando elementos simbólicos comuns ao universo do destinatário, elementos que ele consegue consumir facilmente, e que faz mais sentido do que a realidade (fragmentada e incompleta por natureza), por que não acreditar?

Ainda mais porque questionar com profundidade leva tempo, commodity que está cada vez mais difícil juntar.

Por outro lado, o mundo sem teorias da conspiração seria menos divertido e romântico. E teríamos que assumir muitas de nossas responsabilidades sem jogar a culpa no desconhecido, no oculto, no estrangeiro, no diabo.

É salutar que o porquê das coisas seja questionado à exaustão a fim de que a versão dos fatos não seja apenas a dos vencedores, como tem sido a História até aqui. Mas se, muitas vezes, aceitamos os discursos oficiais bovinamente, também fazemos isso com teorias estapafúrdias.

Na dúvida, cheque com outras fontes confiáveis, verifique a informação. Não seja preguiçoso. Caso contrário vamos criar uma geração que acredita em qualquer vídeo picareta ou em informações bombásticas em sites bonitinhos, mas tão profundos quanto alguns programas vespertinos na TV.

E se levem menos a sério, por favor.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.