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Leonardo Sakamoto

Cinco jovens: Rio deveria instalar painel eletrônico com mortos olímpicos

Leonardo Sakamoto

30/11/2015 10h24

Considerando que a violência policial é tão endêmica quanto a dengue em grandes cidades brasileiras, fica difícil cravar o momento exato. Mas o assassinato de cinco jovens na Zona Norte do Rio de Janeiro, na noite deste sábado para domingo, deveria ser colocado na conta dos Jogos Olímpicos de 2016.

Aliás, passou da hora da Cidade Maravilhosa inaugurar um painel luminoso na Lagoa Rodrigo de Freitas com a contagem de corpos.

Não que o terrorismo de Estado não seja adotado sistematicamente desde sempre. Porém, a mensagem, de que cada um precisa saber seu lugar, será devidamente reforçada. E, certamente, o lugar de jovens pobres da Zona Norte da capital – que são proibidos de ir à praia sem dinheiro de forma preventiva para que não participem de arrastões – não é um dos melhores.

O carro onde estavam Wesley (25), Wilton (20), Cleiton (18), Roberto (16) e Carlos (16) foi metralhado por quatro policiais que ainda teriam tentado forjado um auto de resistência a fim de justificar o crime. Os policiais foram presos, acusados de homicídio doloso e fraude processual.

Carro em que estavam cinco jovens mortos em Costa Barros, zona norte do Rio (Foto: Bruna Fantti/Folhapress)

Carro em que estavam cinco jovens mortos em Costa Barros, zona norte do Rio (Foto: Bruna Fantti/Folhapress)

É claro que não há ordens para metralhar jovens pobres da periferia. Mas nem precisaria. A polícia em uma grande metrópole, como o Rio ou São Paulo, é treinada para, primeiro, garantir a qualidade de vida e o patrimônio de quem vive na parte "cartão postal" das cidades e, só depois, garantir o mesmo para outras camadas sociais. Temendo que a parte "encardida" da cidade estrague a festa, a cobrança aos policiais por resultados vai criar mais situações como essa.

Muita gente boa tem escrito sobre a possibilidade de terrorismo internacional nos Jogos, ao analisar as possibilidades midiáticas de difusão do medo pelos açougueiros do califado islâmico. Mas, por enquanto, esse é apenas um risco, enquanto que o terrorismo de Estado contra a própria população já é uma realidade.

Isso sem contar que o Rio cria entraves à liberdade de expressão ao reprimir ainda mais o punhado de direitos das comunidades pobres que ainda não foram defenestrados. A população cada vez mais teme seu governo ao invés de respeitá-lo. Dessa forma, vamos nos afastando das mudanças estruturais para garantir paz – que incluem um Estado que pense em qualidade de vida para todos e, ao mesmo tempo, em um horizonte de opções para os mais jovens que saem em busca de um lugar no mundo e caem no colo do tráfico.

Ações que deveriam ser discutidas e construídas com a participação popular e não de cima para baixo, como se soubéssemos o que é melhor para os outros. Em vez de chamar ao diálogo, que poderia ter evitado, inclusive, remoções forçadas em nome dos Jogos, o Rio renova seu estoque de gás lacrimogênio, lançando mão de caveirões e bombas. Que limpam a cidade para os "homens e mulheres de bem", além de esportistas, jornalistas, políticos e turistas como se a dignidade fosse uma grande UPP.

Quando a população vai à rua protestar contra a redivisão dos royalties do petróleo, as elites econômica e política acham tudo bonito. Quando as pautas são sociais, pau neles. E quando é com pobre, aí é bala mesmo. Lembra os verde-olivas que adoravam uma marcha cívica, mas desciam o cacete nos estudantes que protestavam e nas "hordas de bárbaros" quando elas saíam da casinha.

(Paulada que a vizinha São Paulo se prepara para dar nos estudantes que protestam contra o fechamento de dezenas escolas e a recolocação forçada de milhares de alunos.)

Isso lembra a todos que a cidade é para alguns que têm um tanto na conta bancária e pensam de uma determinada forma. Esses podem participar dos destinos de sua pólis e ser tratados com dignidade. Para os outros, resta um "Rio: ame-o ou deixe-o".

Por fim, boa parte dos policiais envolvidos nesses momentos são da mesma classe social dos moradores e traficantes que também tombam. Ou seja, é pobre (mal remunerado, mal treinado, maltratado) matando pobre enquanto quem manda ou lucra de verdade com todo o circo está arrotando comida chique em outro lugar.

Ninguém passa atirando a esmo em um carro no Leblon ou em Moema. Por que isso ocorre em Costa Barros, na Zona Norte do Rio? Porque lá a vida vale menos, ué.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.