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Leonardo Sakamoto

Condenação do grupo Riachuelo revela o adoecimento de trabalhadoras da moda

Leonardo Sakamoto

27/01/2016 20h07

O grupo Riachuelo foi condenado a pagar pensão vitalícia a uma trabalhadora em mais uma ação que envolve denúncias de abusos físicos e psicológicos e mostra os problemas do sistema de "fast fashion" e sua relação com grandes marcas da moda. A costureira, segundo seu relato, era pressionada a produzir cerca de mil peças de bainha por jornada. Por hora, colocar elástico em 500 calças ou costurar 300 bolsos. Na ação, ela revelou que, não raro, evitava beber água para diminuir idas ao banheiro – que eram controladas pelo encarregado.

São Paulo não é o único polo de produção de roupas no país e imigrantes bolivianos e paraguaios tampouco são os únicos que sofrem com situação precária de parte do setor de confecções, ao contrário do que as constantes e numerosas denúncias de superexploração do trabalho na capital paulista fazem crer.  A reportagem a seguir é de André Campos e Ana Aranha, da Repórter Brasil.

 Linha de produção em pequena oficina tercerizada no sertão atende à demanda da Guararapes, do grupo Riachuelo (Foto: Lilo Clareto)


Linha de produção em pequena oficina tercerizada no sertão atende à demanda da Guararapes, do grupo Riachuelo

Condenação do grupo Riachuelo revela o adoecimento das trabalhadoras da moda, por André Campos e Ana Aranha

O grupo Riachuelo foi condenado a pagar pensão vitalícia a uma de suas ex-funcionárias em mais uma ação que revela as precárias condições de trabalho impostas às costureiras que produzem para as grandes marcas da moda. A condenação descreve um ambiente de trabalho em que a exigência de metas de produção ocorria mediante abusos físicos e psicológicos. Segundo seu relato, a costureira era pressionada a produzir cerca de mil peças de bainha por jornada. A meta, por hora, era colocar elástico em 500 calças ou costurar 300 bolsos. Na ação, a funcionária diz que muitas vezes evitava beber água para diminuir suas idas ao banheiro. Idas que, segundo ela, seriam controladas pelo encarregado mediante o uso de fichas.

A ação foi contra a Guararapes Confecções, indústria de roupas do grupo Riachuelo, condenada a pagar uma pensão vitalícia à costureira lesionada devido às atividades exercidas na empresa. A ex-funcionária desenvolveu Síndrome do Túnel do Carpo, que provoca dores e inchaços nos braços. A ação aponta que a trabalhadora teve a sua capacidade laboral diminuída devido ao ritmo de trabalho exaustivo demandado pela fábrica potiguar, onde são confeccionadas peças de roupa vendidas pelas lojas da Riachuelo.

 Funcionárias da Guararapes, grupo Riachuelo, entram para a jornada de trabalho na fábrica em Natal, Rio Grande do Norte (Foto: Lilo Clareto)


Funcionárias da Guararapes, grupo Riachuelo, entram para a jornada de trabalho na fábrica em Natal, Rio Grande do Norte (Fotos: Lilo Clareto/Repórter Brasil)

O Tribunal Superior do Trabalho definiu, em dezembro de 2015, que a Guararapes deve pagar o equivalente a 40% da última remuneração da costureira enquanto durar a incapacidade, além de 10 mil reais a título de indenização. A pensão pode se prolongar até que ela complete 70 anos.

Outro abuso relatado no processo, que teve início em 2011, foi o atendimento médico dentro da fábrica. Ao se dirigir à enfermaria da empresa com sintomas de Síndrome de Túnel do Carpo, a trabalhadora conta que era medicada com analgésico e recebia a determinação de retornar ao trabalho.

Em resposta à reportagem, a Guararapes afirmou que cumpre a aplicação da jornada de trabalho prevista na lei. "Além disso, a companhia conta com auditoria interna em todas as suas operações, com o objetivo de monitorar o cumprimento do Código de Ética e os horários de trabalho de acordo com a legislação".

Sobre o controle às idas ao banheiro mediante fichas, a empresa diz que "não adota essa política e não compactua com a prática" (leia aqui as respostas da empresa na íntegra).

Migração às inversas

A condenação reforça uma série de constatações sobre violações trabalhistas dentro da fábrica do grupo Riachuelo pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Em 2012, o órgão ajuizou uma ação contra a Guararapes cobrando multa de R$ 27 milhões por descumprimento de normas de saúde e segurança na fábrica. Anos antes dessa ação, devido ao grande número de lesões por esforço repetitivo, um acordo fora firmado entre a empresa e o MPT. Nele, a empresa se comprometia a fazer adequações nas instalações, máquinas e mobiliário.

No entanto, uma fiscalização conjunta do MPT e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) constatou o descumprimento do acordo, incluindo máquinas inadequadas, banheiros fechados, calor excessivo, baixa iluminação do ambiente de trabalho.

Os depoimentos colhidos pelos fiscais do trabalho corroboram a denúncia feita pela costureira que ganhou a ação individual contra a empresa: os relatos descrevem as limitações de idas ao banheiro, não recebimento de atestados médicos válidos e falta de realização de exames médicos periódicos.

Ainda em 2012, foi firmado um acordo de conciliação entre o MPT e a Guararapes no qual a empresa se comprometeu a pagar multa de R$ 3 milhões para encerrar a ação. Nesse novo acordo a indústria assumiu novas obrigações. Entre elas, aceitar os atestados de funcionários emitidos por médicos do SUS ou particulares, mesmo que eles não integrem o plano de saúde da empresa. O pagamento da gratificação de produtividade e a cesta básica também foram estendidos aos trabalhadores afastados ou que faltem por problemas de saúde.

De acordo com o CEO da Riachuelo, Flávio Rocha, a decisão de terceirizar a atividade de costura, a partir de 2013, deve-se em parte à fiscalização trabalhista. "Tivemos que assinar um acordo com 40 cláusulas absolutamente leoninas. Isso feriu de morte a competitividade (da fábrica)", diz o CEO da Riachuelo, Flávio Rocha, em entrevista concedida à Repórter Brasil em dezembro. "Foi quando o meu pai [Nevaldo Rocha, fundador do grupo] nos disse: 'vocês estão liberados, produzam onde quiserem.'"

Para alguns, é preciso ter cuidado com o argumento de que a terceirização é uma consequência da fiscalização. "Acredito ser mais uma "boa desculpa" que o real motivo pelo qual a empresa tomou essa medida", afirma Renato Bignami, auditor do trabalho e doutor em direito do trabalho pela Universidade Complutense de Madrid.

As consequências da tercerização foram investigadas pela Repórter Brasil em matérias publicadas em dezembro de 2015, quando a reportagem visitou as oficinas no sertão do Rio Grande do Norte e encontrou costureiras fazendo longas jornadas, ganhando salários menores e recebendo menos benefícios do que os funcionários da indústria na capital.

Enquanto as costureiras terceirizadas no sertão recebem R$ 793 por mês, as costureiras da capital não ganham menos do que mil reais, revela Maria dos Navegantes, presidente do sindicato das costureiras. Além disso, na capital elas recebem benefícios como cesta básica e plano de saúde.

O crescimento da terceirização na indústria de roupas pode aumentar o número de doenças ocupacionais e acidentes, afirma o juiz Alexandre Érico Alves da Silva. "No Rio Grande do Norte, a maioria das costureiras que trabalham já há algum tempo na profissão estão adoecendo", diz ele. "Tendo em vista que a estrutura dessas facções [pequenas oficinas terceirizadas] é muito mais carente do que a das grandes empresas, a perspectiva é a de que isso permaneça e até se eleve".

 Maria dos Navegantes, presidente do sindicato das costureiras, diz que os salários e os benefícios são menores para as costureiras do sertão


Maria dos Navegantes, presidente do sindicato das costureiras, diz que os salários e os benefícios são menores para as costureiras do sertão

De acordo com o juiz, que coordena o Programa Trabalho Seguro do Tribunal Regional do Trabalho no Rio Grande do Norte, doenças laborais representam entre 30% e 40% das ações recebidas pela Justiça do Trabalho local. A maioria, segundo ele, está relacionada à indústria têxtil.

Os efeitos da "Fast Fashion"

A estratégia da Riachuelo no sertão brasileiro segue a lógica de grandes marcas do mundo todo: a "Fast Fashion". Segundo esse modelo, as peças devem ser produzidas com agilidade, de modo a responder por demandas instantâneas da moda, e devem resultar em grandes quantidades de peças acessíveis para a classe média.

Por que exige picos de produção acelerada, esse modelo frequentemente demanda muitas horas extras e pode elevar os problemas de saúde das costureiras. Invertendo as prioridades da legislação trabalhista, ele impõe um sistema mais "flexível" em que os trabalhadores são obrigados a se adaptar ao ritmo do mercado.

Para Renato Bignami, o maior impasse na tentativa de regular este sistema é justamente o fundamento sobre o qual ele opera, o da flexibilidade. "Primeiro, o modelo é baseado na lógica de que se deve trabalhar mais horas extras em ocasiões de pico e menos horas durante a letargia produtiva. Segundo, os salários devem ser diretamente relacionados com a produtividade: se produzir, ganha, se não produzir, não ganha. E, por fim, rejeita-se qualquer tipo de responsabilidade jurídica [das empresas que terceirizam] nesse rearranjo, como falta de pagamento, horas extras, licenças por gravidez, por doença profissional, etc".

Garantir os direitos trabalhistas dentro do Fast Fashion é um desafio para a indústria da moda do mundo todo. Para Bignami, a solução passa pelo fim da terceirização da atividade principal da indústria, que é justamente o corte a costura das peças.

"O segredo estaria em uma fórmula que garanta segurança do contrato de trabalho com fórmulas que facilitem a rápida resposta de produção", afirma. "Não é fácil. Ainda assim há experiências sendo levadas adiante, em que se busca uma maior previsibilidade de compras, maiores prazos para produzir as peças e melhor preço, relacionado com a qualidade da produção".

 Costureiras trabalham para cumprir metas da lousa, modelos das peças são definidos pela Guararapes, do grupo Riachuelo


Costureiras trabalham para cumprir metas da lousa, modelos das peças são definidos pela Guararapes, do grupo Riachuelo

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.