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Leonardo Sakamoto

Neste tórrido Carnaval, quero o Blindado Antimanifestante refrescando a rua

Leonardo Sakamoto

06/02/2016 23h11

Como todos sabemos, o termostato de São Paulo está regulado para a posição "Gratinar os Amantes de Automóveis Lentamente". Ao mesmo tempo, as últimas chuvas deram um grau nos reservatórios que abastecem a cidade, que haviam se tornado figurantes de Walking Dead.

Por isso, aproveito este momento de pholya e de calor maníaco para pedir, novamente neste espaço, que o governo coloque o Blindado Antimanifestante na rua. Aquele que lança jatos de água nos manifestantes.

Viver nesta chapa quente deu saudade louca dos banhos de mangueira da infância – transformados, no ano passado, em crime de lesa-pátria a ponto dos prédios terem que fixar avisos como "Esta água não é da Sabesp" ou "Isso vem do poço" para evitar a patrulha dos vizinhos. Quando criança, num ato populista, eu puxava a mangueira da garagem da casa de meus pais para o meio da rua a fim de regar a galera. Quem não se lembra do cheiro reconfortante da água que evapora quase que instantaneamente ao tocar o asfalto escaldante?

Neste sábado, em transe, atrás de um bloco na avenida São João, melado de suor e quase vendendo o que ainda não foi negociado da minha alma para o diabo em troca de um refresco, renovei a crença de que é isso que nosso povo sofrido precisa: um grande banho de mangueira.

Daí o Blindado Antimanifestante, que lança água em multidões.

blindados

O governo de São Paulo planejou várias dessas belezinhas para cá. A justificativa era o controle de manifestações. Mas sabemos que, na verdade, o objetivo era a pholya. Munidos com um canhão de água com capacidade para atingir pessoas a até 60 metros de distância, são o que há de melhor para homenagear a democracia.

Façamos um cálculo: com exceção do que ocorre em atos sexuais coletivos, o máximo de pessoas que cabem em um metro quadrado são sete. Mas essa aglomeração só ocorre em situações de confinamento e desespero, como os ônibus e os vagões do metrô e dos trens de São Paulo em horário de pico.

Em manifestações, a média é de duas pessoas por metro quadrado segundo institutos de pesquisa. Um círculo com 60 metros de raio tem área de 11.309 metros quadrados, portanto, cabem nele 22.618 pessoas.

O que em termos de diversão significa uma micareta ou um bom bloco de carnaval.

Se Pamplona, na Espanha, tem as Festas de São Firmino, com suas corridas de touros (deixando claro que eu torço para o touro).

firmino

Se Buñol, também na Espanha, tem a Tomatina, com o arremesso de tomates. Neste caso, não tem como torcer para o tomate.

tomatina

Se o Holi, ou Festival das Cores, é realizado na Índia e em uma série de países, com uma profusão de tinta.

cor

Por que não podemos ter em São Paulo o Carnaval da Água? Afinal, festas semelhantes, com o uso de blindados iguais, já acontecem na Turquia, Grécia, Tailândia e em uma série de outros lugares nos quais a polícia também respeita a dignidade do cidadão que resolve protestar.

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Bora colocar o Blindado Antimanifestante já neste Carnaval, com seu canhão lançador de água, feito trio elétrico no centro da festa! São seis mil litros de água em cada blindado, minha gente, SEIS MIL LITROS! Imagina só, Daniela e Ivete cantando em cima dele com o povo molhado, em transe. Daí entra Carlinhos Brown, perguntando: "Bebeu água? Não! / Tá com sede? Tô!" Ah, a Glória!

E você que achava que Blindado Antimanifestante era para machucar a democracia.

Sabe de nada, inocente. São Paulo é só alegria.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.